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Talento é insignificante. Conheço muitos fracassos talentosos. Além do talento, existem todas as palavras de sempre: disciplina, amor, sorte, mas, acima de tudo, resistência.
— James Baldwin
Tudo começou em uma noite de insônia. (É raro, mas acontece muito). Entre pensamentos ansiosos, me lembro de uma pendência de literalmente um mês atrás: eu devia ter mandado algumas informações para uma pessoa que tinha entrado em contato pelo Instagram. Abro o app preocupado, mando o combinado, peço desculpas e faço piada de que esperei de propósito fazer um mês para mandar. Então vem o choque.
Segundo o contador do app, tenho 17 mensagens que eu nem abri para ler, de pessoas que marquei como amigas. Na aba de "seguidores" eu nem tenho coragem de olhar1.
Fico pensando das vezes que a psicóloga me perguntou se está tudo bem e respondo, animado: "Tudo ótimo!" Como é que se tem coragem de dizer que tá tudo bem quando você ignora pelo menos 17 amigos? Um dizendo que se soubesse que eu estava no evento que postei tinha ido me dar um abraço que, portanto, nunca recebi. Outros, vários, me desejando feliz aniversário. Que foi em fevereiro. Não tá nada bem, eu perdi o controle do básico, as relações sociais.
Ou talvez eu conheça gente demais.
Como todo mundo.
Quando o Facebook liberou acesso para usuários fora de universidades, criei minha conta e passei a aceitar todos os pedidos de amizade, mesmo que eu não soubesse quem era. "É bom pro networking. Afinal de contas não vou usar isso aqui como rede social, não vou postar nada, eu já tenho o orkut!"
Deu do que deu, você sabe, e poucos anos depois me em situação de ter que desamigar pessoas. Mas eram centenas. Então desenvolvi uma tática: todo dia eu abriria os aniversariantes do dia. Para todos os nomes ali eu teria que fazer uma de duas coisas: desejar feliz aniversário, ou fechar a amizade. Foi meu critério se uma pessoa era realmente amiga.
Tá, é claro que roubei no jogo. Tinha gente que eu queria manter ali por motivos profissionais — lembra quando a gente usava o Facebook pra estreitar laços, não para destruir pontes? kkkkkrying — mas no geral meu plano deu certo e em 1 ano eu tinha limpado a lista. Ainda assim, ficou gente pra caramba.
Um dos santos padroeiros desta newsletter, você sabe, é Robin Dunbar, o sujeito que disse que só conseguimos manter aproximadamente 100 contatos sociais próximos. (na verdade, são círculos de pouquíssimas pessoas que vão ficando cada vez maiores, mas depois de 100 passa a ser apenas "sim, sei quem é essa pessoa") Como já falei aqui outro dia, dá pra explicar muitos dos problemas do mundo atual pela lente de que um belo dia na história da civilização resolvemos dar uma bicuda no limite deste círculo e tentar conviver com mais de 100 pessoas, em cidades ou redes sociais.
Uma vez choraminguei para minha terapinher de que sou antissocial. Não tenho amigos. Vou morrer sozinho, aquelas coisas da mesma pasta de "sou um pai de merda, um marido de merda, um filho de merda, um irmão de merda…". Porque, por exemplo, não pego o telefone e ligo pra ninguém.
Aí, algumas semanas depois, entrei na sessão falando "Ei, sabe aquela história de que eu não tenho amigos? Esquece, tá tudo bem." Tinha sido meu aniversário e tanta gente apareceu que precisamos fazer aquela clássica "mesa em L" no restaurante.
Talvez o que aconteceu é que medi o que é "ser amigo" pela régua de 50 anos atrás, quando o Número de Dunbar ainda conseguia ficar de pé. Onde a gente mandava longas cartas, ou ficava horas no telefone, ia visitar, levando um bolinho. Sou averso ao discurso "antigamente é que era bom" — até porque, no geral, não era não. Então não estou aqui reclamando que as redes sociais destruíram as relações. Elas expandiram. Mais gente me conhece. Deixamos de colocar nestas pessoas tanto peso. É o que é, no fim fico até um pouco tranquilo quando uma pessoa faz a mesma coisa e não me responde. Não sou só eu. Não é pessoal. É só gente demais para darmos conta.
Só se fala Dela
Um assunto domina todas as publicações de tech esta semana: Scarlett Johansson ameaçou a OpenAI de processinho por uso indevido de imagem voz, já que a opção de voz "Sky" do app do ChatGPT soa um pouco demais com a atriz.
Até aí tudo bem. O absurdo foi que, segundo ela contou, a OpenAI tentou mais de uma vez negociar o licenciamento da sua voz. Ela não topou e eles… resolveram ir ao ar assim mesmo.
Este babado sai junto de outra notícia da OpenAI: de que seu time de "super alinhamento" foi dissolvido, incluindo a saída dos dois principais nomes do departamento: Jan Leike e Ilya Sutskever, este um dos membros originais da empresa e cabeça do movimento que tentou (sem sucesso) tirar Sam Altman da empresa ano passado.
As duas notícias juntas apontam o que muita gente já alertava: a OpenAI tá nem aí.
"Super alinhamento" era o nome de um projeto da OpenAI dedicado a garantir que sistemas de inteligência artificial superinteligentes, ou seja, muito mais inteligentes que os humanos, sigam as intenções humanas e sejam seguros para uso. Esta equipe, liderada por Leike e Sutskever, focava em desenvolver técnicas para controlar e guiar o comportamento de modelos de IA à medida que se tornavam mais inteligentes — evitando assim que eles inadvertidamente causassem algum mal aos humanos. Isso incluía, por exemplo, a criação de métodos para que modelos de IA menos avançados supervisionassem modelos mais sofisticados, uma abordagem conhecida como "generalização de fraco para forte". Para demonstrar que estava levando o assunto a sério, a OpenAI prometeu publicamente destinar 20% de seus recursos computacionais disponíveis na época para esse esforço.
Semana passada, menos de um ano após criada, a equipe foi desfeita — com Leike e Sutskever saindo e o resto da equipe sendo "realocada" para outros setores — em meio a acusações de que a OpenAI estava priorizando lançamentos de produtos em detrimento da segurança da IA. Segundo fontes próximas do projeto, a OpenAI nunca cumpriu seu compromisso de fornecer 20% de seu poder computacional para a equipe.
De acordo com estas pessoas, a equipe viu seus pedidos de acesso a GPUs (unidades de processamento gráfico, os chips especializados necessários para treinar e executar aplicativos de IA), serem negados repetidamente pela liderança da OpenAI.
Longe de mim falar "eu avisei". Mas eu avisei, quando em novembro do ano passado o assunto da newsletter foi a saída-e-volta de Altman. A batalha interna é entre os "doomers", pessoas como Leike e Sutskever preocupadas com a possibilidade de uma IA sem coleira, com o time de Altman (e de todo o resto do Vale do Silício) do outro lado, que acreditam em colocar no ar IAs cada vez mais poderosas e que a sociedade vai se adaptando no processo enquanto usufrui dos benefícios da tecnologia.
Na semana em que foi mandado embora da empresa que fundou, durante o Asia-Pacific Economic Cooperation summit, Altman disse: "Quatro vezes na história da OpenAI, a mais recente foi nas últimas semanas, eu estava na sala quando empurramos para trás o véu da ignorância e movemos para frente a fronteira da descoberta. Poder fazer isso é a honra profissional de uma vida." Essas palavras levantam questões sobre o que exatamente a OpenAI descobriu e o que essas descobertas significam para o futuro da inteligência artificial. Será que estamos prestes a testemunhar avanços revolucionários na IA? Ou é só (mais um) papo para gerar manchetes?
Em novembro eu disse que, com o retorno triunfal de Altman, a primeira tribo, dos "doomers" tinha claramente perdido a briga. Agora, passados literalmente seis meses, Ilya Sutskever delicadamente pede para sair. O que aconteceu de verdade? Jamais saberemos, já que os funcionários da OpenAI assinam contratos de sigilo com um nível de silêncio jamais visto.
Eu só acho engraçado que a OpenAI tem esse "open" no nome porque foi fundada como uma empresa sem fins lucrativos visando dar um uso "ético" à IA, sem ser guiada apenas pelo lucro. Tecnicamente ela ainda têm essa formação, mas os dois fatos da semana derrubam de vez essa história. É só um business como outro qualquer, só que com poderes (e ambições) de mudar a história da humanidade.
Durante esta quarta-feira a OpenAI soltou um comunicado pedindo desculpas a Scarlett Johansson sobre o acontecido. É claro que a versão é de que foi só coincidência. Já a CTO Mira Murati disse que nem conhecia a voz de Johansson, que usaram outra atriz contratada para fazer a voz, mas que não revelariam o nome desta atriz para preservá-la. Que generosos.
A mesma Murati que, quando perguntada semanas atrás se a OpenAI usava vídeos públicos do YouTube para treinar sua IA de geração de vídeos respondeu "Vish. Sei não."
Joanna Stern: Quais dados foram usados para treinar o Sora?
Mira Murati: Usamos dados disponíveis publicamente e dados licenciados.
Joanna Stern: Então, vídeos do YouTube?
Mira Murati: Na verdade, não tenho certeza sobre isso.
Joanna Stern: Certo… Vídeos do Facebook, Instagram?
Mira Murati: Sabe… Se eles estavam disponíveis publicamente, sim, disponíveis publicamente para uso, pode ser que esses dados tenham sido usados, mas eu não tenho certeza, não estou confiante sobre isso.
Tão nem aí. Porque, fora alguns memes, vai ficar por isso mesmo. "Nós somos a empresa mais desejada do momento. Podemos fazer o que quisermos." É como o Vale do Silício costuma pensar. As regras não se aplicam a eles. Move fast.
Por hoje é só
Cuidem de si, cuidem dos seus. Até a próxima.
crisdias
Não ajuda muito a interface web do Instagram ser bem lixosa e mensagens que eu mando por lá não aparecerem pra mim no telefone e eu ficar na eterna dúvida se ela foi ou não. Porque eu poderia tentar responder mensagens pelo computador, sou xoomer e por isso escrevo muito mais rápido em um teclado _de verdade_. Mas aí fico com medo de não chegar.
Me vejo na mesma situação das amizades, oscilando na maré de contatos das redes que estão mais próximos, é sempre um sentimento misto quando penso sobre o que fez certa pessoa ser considerada amiga.