Você não tem ideias originais — e tá tudo bem
Como superar o abismo entre seu bom gosto e sua falta de habilidade.
Contamos histórias a nós mesmos para viver.
— Joan Didion
Estamos “naquela semana” de descontos nas lojas, então aproveita que no meio do ano fiz um apanhadão das principais Cris Dicas que também servem para a temporada atual. Confere lá e, caso você compre alguma coisa, pode ser que eu ganhe alguma comissão.
Ontem, em um grupo de Zap habitado por muitos publicitários, aconteceu uma revelação: a tão comentada campanha de rebranding da Jaguar (jaguar?) não era 100% original, copiando coisas da Apple — e sabe lá Deus de onde mais. Não se preocupem, os Detetives da Criatividade já devem estar investigando.
Entre produtora, agência e o Facebook, trabalhei 10 anos diretamente com publicidade. Até hoje, em formulários de hotel ou fichas médicas, coloco “publicitário” como profissão, nem que seja para simplificar. Eu sonhei em ser publicitário, lutei por isso de certa maneira. Até hoje trabalho com publicidade na Ampère, só que mais no mundo do que chamamos de “conteúdo” — essa palavra que reduz tudo, mas enfim, essa não é a pauta. Saí do dia-a-dia de agência e no geral não sinto falta. Nada contra publicitários, tenho até amigos que são.
Uma das coisas que mais me incomodava no mundinho agência era a busca pela ideia original, de que aquela coisa que você estava propondo ali nunca tinha sido feita por ninguém, não só na execução, mas até mesmo na estratégia. A valorização não era se o produto do seu cliente vendeu mais. A “originalidade” era o que dava prêmios e promoções.
Tive um chefe gringo que largou uma carreira de sucesso em agências internacionais para trabalhar em grupos de mídia — indo, no fim, trabalhar para o Facebook. Uma vez vi uma entrevista onde ele falava deste incômodo, mas com ela já tem mais de 10 anos, não encontrei por aqui, vocês vão ter que confiar na minha pós-verdade. Ele dizia mais ou menos assim:
Pergunte a um cineasta “quais são suas influências, de onde você tirou estas ideias” e ele vai alegremente mostrar como cada frame do seu filme é uma referência aos clássicos.
Mas pergunte a mesma coisa para um publicitário e ele vai ficar ofendido. “Como assim? Minhas ideias são totalmente originais!”. O que significa que nossa profissão parte do princípio de que todo novo projeto deve começar de uma folha totalmente em branco.
Não sei o que você achou, mas para mim, o frame capturado da propaganda da Jaguar me parece claramente uma homenagem àquela que é considerada o melhor comercial de todos os tempos — é coincidência demais para não ser proposital. Mas não pode homenagear, é cópia, é feio.
A pior ofensa que um publicitário pode receber não é a de que sua ideia é ruim. É de que ela já foi feita antes. Já ouvi este comentário para campanhas incríveis como Like a girl, de Always. “Ah, porque lá em Botucatu, 1985, eu fiz uma coisa parecida”.
Também já vi campanhas incríveis morrerem sumariamente na reta final de lançamento porque alguém abriu o YouTube e mostrou que uma ideia minimamente parecida já tinha sido feita em outro lugar do mundo. Porque não estávamos ali pra vender Coca-Cola ou absorventes, mas sim para ganhar prêmios. E quando alguém lembrasse lá na Riviera Francesa, entre um rosê e um canapé, que alguma coisa similar já tinha sido feita em algum lugar do mundo, adeus, já era, fim de carreira.
Mas esta newsletter de hoje não é para falar mal de publicitário, eu juro. Quem sou eu para mudar toda uma indústria global que acredita que existem ideias completamente originais. É por essas e outras que digo que os festivais de publicidade são a mentira que todo mundo finge acreditar.
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