Chegou a hora de começar a primeira edição do Clube de Cultura Boa Noite Internet! (êeeeeeeeeeeeeeeee)
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Esta edição inaugural vai ser aberta a todo mundo, para vocês poderem entender o formato, os próximos capítulos serão exclusivos para quem apoia o Boa Noite Internet.
O clube vai funcionar assim: a seguir coloco minhas anotações sobre os dois primeiros capítulos do livro, a introdução Sobrevivendo à utilidade e o capítulo 1, O caso do nada, meio em formato de brain dump (ou como prefiro dizer, caçamba mental). A partir daí você continua a conversa nos comentários deste post e vamos assim, conversando, até o episódio da semana que vem, seguindo até o fim do livro.
Se você não quiser ler o livro ou não tiver tempo, é só acompanhar o papo.
Se comprar o livro usando este link eu ganho uma comissão.
Como vim parar aqui
Cheguei em “Resista” nos primeiros meses do lockdown do Covid-19, após ouvir a Jenny Odell em um episódio do podcast The Ezra Klein Show — que na época ficava na Vox, empresa fundada por Klein, mas hoje é parte do NY Times, seu empregador desde novembro de 2020. O feed da Vox mudou de nome e hoje é meu podcast preferido The Gray Area with Sean Illing. Sim, é confuso. Na dúvida, siga os dois podcasts que são 😘👌.
Odell já tinha ido conversar sobre o livro com Klein um ano antes, em um episódio chamado “A arte da atenção” (que só fui ouvir mais tarde), mas ali, no início de uma jornada que ninguém sabia onde ia dar, ele resolveu chamá-la de volta ao programa justamente por estarmos encarando um mundo que nos obrigava a “fazer nada”. Ouvi a conversa enquanto passeava pelo mundo virtual de Red Dead Redemption 2, comprei o livro no Kindle e marquei tantas passagens que quase atingi o limite configurado pela editora (que eu nem sabia existir). No nevoeiro mental que foram estes anos nem lembrava mais que tinha lido em 2020, mas o arquivo de anotações do Kindle é a prova: no dia seguinte à publicação do podcast lá estava eu marcando coisas, a mente borbulhando com vários assuntos que provavelmente você viu em algum podcast ou newsletter do Boa Noite Internet.
O fim do papo com Ezra Klein tem um momento curioso e engraçado (começa ali pela 1 hora e 3 minutos). Como em todo fim de programa, ele pede a Odell a indicação de 3 livros. Ela abre com um sobre Renda Básica Universal, “Give People Money”, da Annie Lowrey. Odell explica porque achava o livro uma boa leitura e Klein trava. “And you are not fucking with me?” Aí quem trava é Odell. “Não?” (imagino a cabeça dela girando a dez mil rotações por minuto meu Deus o que foi que eu fiz???)
“Annie é minha esposa.”
😂
Introdução: Sobrevivendo à utilidade
Nada é mais difícil do que não fazer nada.
Na introdução de Resista, Jenny Odell apresenta o conceito central do livro: resistir à economia da atenção, que constantemente busca capturar nosso foco para fins de produtividade e lucro. Ela explora a dificuldade e a importância de “fazer nada”, não como ócio vazio, mas sim no sentido de que em uma sociedade que valoriza apenas o que pode ser medido ou utilizado, o ato de não fazer nada é visto como inútil e, portanto, subversivo. Nossa sociedade tem fixação por valor, no sentido monetário. Tudo precisa “gerar valor”, caso contrário é “inútil”. Algo só tem valia se pode ser empacotado, vendido e medido. Nosso papel no mundo é gerar valor.
Lembro que até mesmo o descansar e focar em si recentemente foi re-empacotado como wellness, um produto, uma caixa. “Descanse!”, cantam os gurus (e chefes) não para vivermos melhor, com menos estresse, mas sim para, depois, voltar produzindo mais.
O fato de o “nada” que proponho ser somente nada do ponto de vista da produtividade capitalista explica a ironia de o livro se chamar Não faça nada. […] O motivo de fazer nada, na minha definição, não é voltar ao trabalho renovado e pronto para ser mais produtivo, mas sim questionar o que atualmente entendemos como produtividade.
Odell argumenta que o verdadeiro objetivo de “fazer nada” não é se tornar mais produtivo, mas sim questionar o que consideramos produtivo e realocar nossa atenção para o que realmente importa, como a convivência, a observação e a comunidade, atos que hoje podem ser considerados até subversivos.
Como artista (e professora), Odell aponta que o primeiro alvo em um mundo onde tudo precisa “gerar valor” é a arte. Nesta hora fiquei pensando em todas as discussões sobre o “papel da arte”, “valor da arte”, se arte precisa “agradar”, se seu dever é “provocar” e até mesmo se alguma coisa é arte. “Ah, isso não é não.” Como se arte precisasse ser.
Pensei sobre como espaços públicos como bibliotecas são cobrados por sua “utilidade” e não por simplesmente existirem, para serem um ponto de encontro da comunidade. Ou o debate se histórias em quadrinhos deveriam estar disponíveis em bibliotecas públicas, já que não “servem para nada”, não educam — em um país como o Brasil onde cada vez mais a visão de educação é a de formação de profissionais para servir ao Sistema.
Diante do materialismo e da orientação pragmática cada vez maior em nossos tempos […] não seria estranho se no futuro uma parte da sociedade que viva para o prazer intelectual não tenha mais seu lugar ao sol. O escritor, o pensador, o sonhador, o poeta, o metafísico, o observador […] aqueles que tentam elucidar a charada ou compartilhar suas descobertas se tornarão anacrônicos, figuras destinadas a desaparecer da face da Terra como o ictiossauro e o mamute. — Giorgio de Chirico
Odell pega daí e segue:
Quero chegar além dos artistas e escritores, a todas as pessoas que veem a vida como mais do que uma ferramenta e, portanto, algo que não pode ser otimizado. […] Plataformas como Facebook e Instagram atuam como represas que capitalizam nosso interesse acerca dos outros e uma eterna necessidade de socialização, sequestrando e frustrando nossos mais profundos desejos e lucrando com eles. Solidão, observação e o simples convívio deveriam ser reconhecidos como mais do que fins em si mesmos, mas direitos inalienáveis que pertencem a todos que têm a sorte de estarem vivos.
“Fazer nada”, para Odell, também é o direto de “falar nada” em um mundo onde cobramos a opinião de todos sobre tudo. Onde se não postamos, não existimos. Acabei de voltar de férias e em alguns momentos tive que lutar contra o impulso de publicar aquele por do sol incrível ou o prato de comida delicioso (e lindo). Eu devia estar descansando, mas queria transformar meu “fazer nada” em conteúdo. Sair de férias e não contar para ninguém é um ato de rebeldia ou suicídio profissional (já que sou criador de conteúdo)?
Mas o vilão aqui não é, necessariamente, a internet, nem mesmo a ideia de redes sociais; é a lógica invasiva da rede social comercial e seu incentivo financeiro para nos manter em um lucrativo estado de ansiedade, inveja e distração. Acima disso está o culto às marcas individuais e pessoais que brotam dessas plataformas e afetam o modo como vemos nossos “Eus” offline e os lugares onde realmente vivemos.
Em 2024 discutimos a volta ou não aos escritórios, sob a desculpa da “cultura da empresa” — quando sabemos que, na verdade, é apenas um teatro de produtividade. Parece que descobrimos que nossos empregos são bullshit e precisamos deste teatro para não perdemos o significado da vida.
Vejo pessoas presas não apenas às notificações de seus aplicativos, mas em uma mitologia de produtividade e progresso, incapazes sequer de descansar ou apenas olhar à sua volta.
“Fazer nada” é, secretamente, fazer muitas coisas, nem todas elas úteis ao sistema. Em uma sociedade do burnout isto pode ser sinônimo de sobrevivência. Para ilustrar esta ideia, Odell traz um antigo conto chinês (PDF), do filósofo taoista do século 4 a.C., Chuang-Tzu. É a história de um lenhador que conta ao aprendiz que não derruba uma árvore antiga e gigante por ela ser inútil.
Aquela árvore é inútil. Um barco feito com sua madeira afundaria, um caixão logo apodreceria, uma ferramenta racharia, uma porta empenaria e uma viga criaria cupins. É madeira sem valor e para nada serve.
De noite a árvore aparece em sonho para o lenhador e esbraveja:
Com o que me comparas? Com árvores úteis? Existem cerejeiras, macieiras, pereiras, laranjeiras, limoeiros, e muitas outras árvores frutíferas. Logo que seus frutos amadurecem, elas são despojadas e maltratadas. Os galhos maiores são cortados, os menores arrancados. Sua vida é mais amarga por causa de sua utilidade. É por isso que elas não vivem seu tempo natural, são cortadas na primavera da vida. Elas atraem a atenção do mundo. Assim se passa com todas as coisas. Quanto a mim, há muito tempo sou inútil. Quase fui destruída diversas vezes. Finalmente, sou inútil e isso é muito útil para mim. Se eu tivesse sido útil, teria conseguido crescer tanto assim?
Para aquele homem, a árvore era apenas lenha, mas ela o lembra da distinção entre “utilidade” e “valor”. Odell compara a árvore do conto com o Velho Sobrevivente, ou Árvore Avô nos arredores de Oakland, onde mora, uma sequoia nativa da região, que ao contrário de todas as outras da área, não foi cortada por ter um formato “torto” e estar em um lugar de acesso difícil — não seria lucrativo derrubá-la.
Poderíamos dizer que o Velho Sobrevivente seria muito estranho [too weird] ou muito complicado para ir direto para a serraria. Por esse ângulo, a árvore me passa uma ideia de “resistência no lugar”. Resistir no lugar é dar uma forma a si que não possa ser facilmente apropriada por um sistema de valores capitalista. […] Quer dizer reconhecer e celebrar uma forma do Eu que muda ao longo do tempo, que extrapola descrições algorítmicas e cuja identidade nem sempre se limita ao perímetro do indivíduo.
Não valorizamos as pessoas, mas sim sua utilidade. Em vez de as empresas procurarem pessoas inteligentes, interessantes, articuladas… para suas vagas, publicam guias de como adequar seu perfil do LinkedIn para maximizar as chances de contratação.
Tudo isso me faz pensar que nada mais “útil” para os indivíduos do que ser feliz. Por isso nossa sociedade não sabe lidar com tristeza ou fracasso. Optamos não aceitar as partes ruins da vida. “Não quer ser triste? Escolha não ser, todo dia.”
Os momentos mais felizes e realizados de minha vida foram quando eu estava completamente consciente de estar viva, com toda a esperança, dor e tristeza que isso acarreta para qualquer ser mortal. Naqueles momentos, a ideia de sucesso como objetivo teleológico [relacionado a um fim ou propósito último] não faria sentido; os momentos eram fins em si mesmos, não degraus em uma escada.
Como toda boa introdução ela explica a estrutura do livro e o que vem por aí. Em alguns livros deste tipo, a introdução costuma ter (quase) tudo que o livro pretende entregar. Não é o caso, falo com tranquilidade. Odell vai explorar esta ideia de “resistência no lugar” e fazer muitos paralelos com biodiversidade — em um mundo onde é mais lucrativo que todo mundo consuma as mesmas coisas, precisamos de respeitar nossos locais, físicos e sociais.
Em determinado momento, comecei a ver meu trabalho como um livro de ativismo disfarçado de autoajuda. Mas também não tenho certeza. […] Acima de tudo, espero que ajude as pessoas a encontrar maneiras de se conectar de maneiras substanciais, sustentáveis e absolutamente não lucrativas para as corporações, cujas métricas e cujos algoritmos nunca fizeram parte das conversas que temos sobre nossos pensamentos, sentimentos e sobrevivência.
Agora é com você
Amanhã de manhã mando o segundo e-mail, sobre o capítulo 1, porque senão o Substack vai reclamar que isso aqui está muito grande. Já vai dizendo o que você achou na thread abaixo, lembrando que aqui vale comentário-no-comentário.
Isto é uma conversa.
Se eu ficar falando sozinho aqui vai ficar chato.
Por isso vou lansar algumas perguntas aqui como estímulo, tente responder mesmo se não se sentir confortável em compartilhar.
Como você interpreta a ideia de “fazer nada” em uma sociedade obcecada por produtividade? Você já experimentou momentos em que essa prática foi difícil ou subversiva?
Você já sentiu pressão para transformar momentos de desconexão ou descanso em “conteúdo”? Como lida com essa expectativa?
Odell menciona que “fazer nada” é, de certa forma, “fazer muitas coisas” valiosas para o indivíduo, mas não necessariamente para o sistema. Quais são estas coisas para você?
A história do lenhador e da árvore inútil sugere que a utilidade não determina o valor. Você consegue identificar momentos ou aspectos da sua vida que se alinham com essa ideia?
Ao discutir a árvore sobrevivente, Odell fala sobre como ser “estranho” ou “complicado” pode ser uma forma de resistência. Qual a sua estranheza particular, a parte que o mundo tem dificuldades em lhe entender?
Disclaimer: eu ainda não comecei a ler o livro, embora já tivesse ouvido falar - mas cada trechinho aqui só fortaleceu a minha vontade haha
Sobre este assunto, a coisa mais louca na minha opinião é a forma como nos tornamos capatazes de nossos próprios "conteúdos". Sou uma pessoa que posta pouco ou quase nada nas redes sociais ou mesmo em grupos, o que os jovenzinhos vão chamar de "low profile" rs ainda assim, me surpreendo quase todos os dias ao perceber que me cobro uma vida "instagramável". Tiro muitas fotos, que gosto de sentar depois e apreciar, ótimo. Mas sinto culpa, curiosamente, ao pensar que não estão sendo postadas. Fotografo o crescimento da minha filha sentindo que eu tinha a obrigação moral de postar estes registros para o mundo, como se estivessem sendo desperdiçados. Que loucura
Essa engrenagem é tão complexa que cada vez mais a gente sente culpa em não "fazer nada".
Para além dos pontos que você tocou (a produtividade a todo custo, as redes sociais, a ideia completamente torta de "marca pessoal"...), acho que tem uma outra questão muito humana nessa nossa dificuldade (ou resistência?) em não fazer nada: quando estamos ociosos, a gente tem tempo para pensar. Pensar em profundidade, pensar em questões complexas, pensar nas nossas escolhas, nas nossas renúncias...
Talvez exista um certo conforto existencial em entrar nesse estilo de vida sempre em produção, mais fazendo do que refletindo (não que eu considere isso bom: se a gente não ta pensando, tão pensando pela gente).
((adorei seus comentários, vou atrás do livro pra ler e acompanhar))
Sim. Sempre falei que boa parte do que me atrai em videogames é que estou "ocupado" sem pensar "nisso tudo que está aí". Focado na tarefinha da vez.
Seu comentário também me fez pensar em uma coisa que falamos no episódio sobre sociedade jovem cêntrica, de que "não fazer nada" devia ser um prêmio na aposentadoria, mas muita gente não aguenta.
Adorei a ideia desse clube assíncrono! Gente, comentem muito pra ser divertido e enriquecedor!
Ótimo texto! Me trouxe muitas reflexões.. É muito curioso ver como a mesma introdução do livro impacta diferente em cada pessoa que lê. O trecho que me deixou mais pensativa foi: "Uma coisa que aprendi sobre atenção é que algumas de suas formas são contagiosas. Quando passamos muito tempo com alguém que presta muita atenção em alguma coisa, inevitavelmente começamos a prestar atenção nas mesmas coisas". Acredito que este trecho conecta muito com a questão de não ter tempo para pensar em profundidade, a questão da necessidade de ver o que todos estão vendo, vestir o que todos estão vestindo... Sem ser intencional fica difícil furar a bolha do ambiente e das redes que acaba levando todos para o mesmo padrão de escolha.
Cris, cheguei até o livro pela tua indicação e tô me achando a nerd mais legal da sala por entrar nesse clube. Nada é muito por acaso, né? Há tempos venho pensando sobre esse assunto, sobre esse cansaço, te ouço muito falando sobre isso. Trabalho produzindo conteúdo e me identifico com essa dualidade, essa mistura entre o que executo no meu trabalho e o que sou, quase como se eu também precisasse ser um ppt ou um post. Esse trecho da intro [Os momentos mais felizes e realizados de minha vida foram quando eu estava completamente consciente de estar viva, com toda a esperança, dor e tristeza que isso acarreta para qualquer ser mortal] foi um dos que mais pegou pois esse tem sido meu principal exercício e também um mecanismo de defesa não intencional. Zero fácil de exercitar, pois contas a pagar, pressões 1000, mas assim com a autora coloca, um ensaio.
Cris, obrigado por trazer esse livro! comprei hj...vou tentar colocar minhas considerações aqui. Só uma coisa...o preço do livro de papel estava o mesmo do kindle....doidera né....
o ponto que mais me chama atenção na introdução é o questionamento sobre o que se considera por produtividade. Nesse contexto me pega um item que, não apenas nesse livro, mas de forma geral, não se questiona ou se dá posição a uma variável que considero importante: a Temporalidade do resultado desse tal “esforço produtivo”. Independente dos fatores imediatistas contemporâneos, na discussão sobre ser produtivo ou não, eu esbarro com as pessoas ignorando completamente isso. Normal? Talvez. Isso não é fruto apenas do sistema econômico vigente, mas de uma conjuntura mais ampla de como fomos nos moldando ao longo da evolução social.
Das partes que marquei nesse capítulo, essa é a que achei válida destacar aqui:
“Resistir no lugar é dar uma forma a si que não possa ser facilmente apropriada por um sistema de valores capitalista. Realizar isso significa se recusar a um rótulo de referência: nesse caso, um rótulo de referência no qual o valor é determinado pela produtividade, pelo potencial de sua carreira e pelo empreendedorismo pessoal.”
Destaquei justamente por ler e pensar que essa referência de valor, determinado pela produtividade, é contínuo e perpassa além do tempo do próprio produtor ... o que quero dizer é que, no momento que parece que estamos sem fazer “nada”, ainda assim produzimos, mas para outro tempo. Um tempo futuro, talvez. No instante que deixamos de consumir algo em excesso agora, poupamos para futuras gerações. Isso também é uma forma de produção, seja em qualquer aspecto. Produção cultural, científica, industrial, etc. A nossa tendência de medir produtividade apenas no tempo presente é limitante pq o nosso próprio tempo de observação é limitado.
Aí entra o gancho interessante, quando ela puxa a história do Velho Sobrevivente. A distinção mesmo que você cita sobre utilidade e valor podem ser classificadas como produtividade... o que muda é como observamos isso ao longo do tempo. Pra gente, produzir é algo pra hoje, no máximo, semana que vem. Para o mundo e para o futuro das outras gerações, produzir tem outro aspecto.
Não acho que só mudar o sistema econômico ou a dinâmica das redes sociais digitais muda isso. Mas para o nosso contexto, digitalmente acelerado, “fazer nada” está longe de ser improdutivo. Só não gera número no relatório da próxima semana.
Disclaimer: eu ainda não comecei a ler o livro, embora já tivesse ouvido falar - mas cada trechinho aqui só fortaleceu a minha vontade haha
Sobre este assunto, a coisa mais louca na minha opinião é a forma como nos tornamos capatazes de nossos próprios "conteúdos". Sou uma pessoa que posta pouco ou quase nada nas redes sociais ou mesmo em grupos, o que os jovenzinhos vão chamar de "low profile" rs ainda assim, me surpreendo quase todos os dias ao perceber que me cobro uma vida "instagramável". Tiro muitas fotos, que gosto de sentar depois e apreciar, ótimo. Mas sinto culpa, curiosamente, ao pensar que não estão sendo postadas. Fotografo o crescimento da minha filha sentindo que eu tinha a obrigação moral de postar estes registros para o mundo, como se estivessem sendo desperdiçados. Que loucura
Essa engrenagem é tão complexa que cada vez mais a gente sente culpa em não "fazer nada".
Para além dos pontos que você tocou (a produtividade a todo custo, as redes sociais, a ideia completamente torta de "marca pessoal"...), acho que tem uma outra questão muito humana nessa nossa dificuldade (ou resistência?) em não fazer nada: quando estamos ociosos, a gente tem tempo para pensar. Pensar em profundidade, pensar em questões complexas, pensar nas nossas escolhas, nas nossas renúncias...
Talvez exista um certo conforto existencial em entrar nesse estilo de vida sempre em produção, mais fazendo do que refletindo (não que eu considere isso bom: se a gente não ta pensando, tão pensando pela gente).
((adorei seus comentários, vou atrás do livro pra ler e acompanhar))
Sim. Sempre falei que boa parte do que me atrai em videogames é que estou "ocupado" sem pensar "nisso tudo que está aí". Focado na tarefinha da vez.
Seu comentário também me fez pensar em uma coisa que falamos no episódio sobre sociedade jovem cêntrica, de que "não fazer nada" devia ser um prêmio na aposentadoria, mas muita gente não aguenta.
Adorei a ideia desse clube assíncrono! Gente, comentem muito pra ser divertido e enriquecedor!
Ótimo texto! Me trouxe muitas reflexões.. É muito curioso ver como a mesma introdução do livro impacta diferente em cada pessoa que lê. O trecho que me deixou mais pensativa foi: "Uma coisa que aprendi sobre atenção é que algumas de suas formas são contagiosas. Quando passamos muito tempo com alguém que presta muita atenção em alguma coisa, inevitavelmente começamos a prestar atenção nas mesmas coisas". Acredito que este trecho conecta muito com a questão de não ter tempo para pensar em profundidade, a questão da necessidade de ver o que todos estão vendo, vestir o que todos estão vestindo... Sem ser intencional fica difícil furar a bolha do ambiente e das redes que acaba levando todos para o mesmo padrão de escolha.
Cris, cheguei até o livro pela tua indicação e tô me achando a nerd mais legal da sala por entrar nesse clube. Nada é muito por acaso, né? Há tempos venho pensando sobre esse assunto, sobre esse cansaço, te ouço muito falando sobre isso. Trabalho produzindo conteúdo e me identifico com essa dualidade, essa mistura entre o que executo no meu trabalho e o que sou, quase como se eu também precisasse ser um ppt ou um post. Esse trecho da intro [Os momentos mais felizes e realizados de minha vida foram quando eu estava completamente consciente de estar viva, com toda a esperança, dor e tristeza que isso acarreta para qualquer ser mortal] foi um dos que mais pegou pois esse tem sido meu principal exercício e também um mecanismo de defesa não intencional. Zero fácil de exercitar, pois contas a pagar, pressões 1000, mas assim com a autora coloca, um ensaio.
Cris, obrigado por trazer esse livro! comprei hj...vou tentar colocar minhas considerações aqui. Só uma coisa...o preço do livro de papel estava o mesmo do kindle....doidera né....
Isso aí é o Novo Normal. Como consumidor eu não gosto, por outro lado quem escreve segue recebendo o mesmo valor.
Falaremos juntos rssss
o ponto que mais me chama atenção na introdução é o questionamento sobre o que se considera por produtividade. Nesse contexto me pega um item que, não apenas nesse livro, mas de forma geral, não se questiona ou se dá posição a uma variável que considero importante: a Temporalidade do resultado desse tal “esforço produtivo”. Independente dos fatores imediatistas contemporâneos, na discussão sobre ser produtivo ou não, eu esbarro com as pessoas ignorando completamente isso. Normal? Talvez. Isso não é fruto apenas do sistema econômico vigente, mas de uma conjuntura mais ampla de como fomos nos moldando ao longo da evolução social.
Das partes que marquei nesse capítulo, essa é a que achei válida destacar aqui:
“Resistir no lugar é dar uma forma a si que não possa ser facilmente apropriada por um sistema de valores capitalista. Realizar isso significa se recusar a um rótulo de referência: nesse caso, um rótulo de referência no qual o valor é determinado pela produtividade, pelo potencial de sua carreira e pelo empreendedorismo pessoal.”
Destaquei justamente por ler e pensar que essa referência de valor, determinado pela produtividade, é contínuo e perpassa além do tempo do próprio produtor ... o que quero dizer é que, no momento que parece que estamos sem fazer “nada”, ainda assim produzimos, mas para outro tempo. Um tempo futuro, talvez. No instante que deixamos de consumir algo em excesso agora, poupamos para futuras gerações. Isso também é uma forma de produção, seja em qualquer aspecto. Produção cultural, científica, industrial, etc. A nossa tendência de medir produtividade apenas no tempo presente é limitante pq o nosso próprio tempo de observação é limitado.
Aí entra o gancho interessante, quando ela puxa a história do Velho Sobrevivente. A distinção mesmo que você cita sobre utilidade e valor podem ser classificadas como produtividade... o que muda é como observamos isso ao longo do tempo. Pra gente, produzir é algo pra hoje, no máximo, semana que vem. Para o mundo e para o futuro das outras gerações, produzir tem outro aspecto.
Não acho que só mudar o sistema econômico ou a dinâmica das redes sociais digitais muda isso. Mas para o nosso contexto, digitalmente acelerado, “fazer nada” está longe de ser improdutivo. Só não gera número no relatório da próxima semana.