Quatro mil semanas: Introdução e Capítulo 1
Verdades foram ditas.
Se você deixar tudo pro último minuto, vai terminar o trabalho em só um minutinho mesmo.
— Corolário de Stock-Sanford à Lei de Parkinson
Introdução — A longo prazo, estaremos todos mortos
Quantas semanas você acha que vai viver, do nascimento ao arrasta pra cima? Tá bom… Você já deve saber, porque a resposta é o título do livro da vez do nosso Clube de Cultura, dã. Sim, 4.000 semanas. Parece muito? Ou é pouco?
Em “Quatro Mil Semanas”, Oliver Burkeman apresenta uma perspectiva sobre a vida humana: já que vamos viver (se tudo der certo) mais ou menos 4.000 semanas, como utilizamos nosso tempo limitado? Cada um tem sua resposta, mas a grande tese do livro é que abordamos isso de um modo fundamentalmente errado: focando em aumentar nossa produtividade. Ele argumenta que as abordagens modernas de produtividade miram apenas em completar mais tarefas de trabalho ou otimizar rotinas diárias. Essas técnicas falham em abordar questões mais profundas sobre como queremos viver nossas vidas limitadas.
De certa maneira isso é ótimo, porque quando comecei a ouvir falar deste livro (e não conhecia o autor) pensei “ah, pronto, mais um livro o tempo é o bem mais valioso que temos, aproveite cada momento, viva seu potencial, abrace árvores, a vida é trem-bala, parceiro”. Não é caso. Este parece ser um livro sobre produtividade, mas anticoachismo. Meu tipo de livro. De lá para cá li Manual antiautoajuda, do mesmo autor, e adorei o jeito cínico-inglês de ver as coisas. O estilo de escrita de Burkeman é bem gostoso de ler, no tom conversacional que tanto gosto (e tento usar).
Ele começa a introdução observando que o mundo está “cheio de maravilhas”, mas raramente os gurus da produtividade consideram que o objetivo principal de nossa atividade frenética poderia ser experimentar mais destas tais maravilhas. Além disso, vivemos em tempos desafiadores, com problemas sociais, políticos e ambientais crescentes, mas poucos sistemas de gestão do tempo abrem espaço para nos envolvermos de forma significativa com essas questões.
No mínimo, no mínimo, você poderia ter imaginado que haveria diversos livros sobre produtividade que levam a sério os duros fatos sobre a brevidade da vida, em vez de fingir que podemos apenas ignorar o assunto. Mas você estaria errado.
No centro do problema atacado pelo livro está a obsessão moderna com a ocupação. As pessoas se sentem mais pressionadas pelo tempo do que nunca. A cultura da “gig economy” e a glorificação do “hustle” transformou o trabalho incessante em um estilo de vida desejável — trabalhe enquanto os outros dormem! Mas ele argumenta que isso é apenas uma intensificação do eterno problema de tentar encaixar cada vez mais atividades em uma quantidade fixa de tempo diário.
Como vivemos na epidemia do individualismo — onde qualquer coisa, boa ou ruim, que acontece na vida é culpa apenas sua — se você não consegue viver como o Tim Ferriss e só trabalhar quatro horas por semana, bom, lamento informar que você fracassou. A menos que você leia o livro (eu li) e descubra que Ferriss (obviamente) trabalha (bem) mais de quatro horas e o título é apenas o resultado de um “teste A/B” que fez usando a busca paga do Google para descobrir qual seria o mais chamativo.
Eis o paradoxo da produtividade atual: quanto mais eficientes nos tornamos em gerenciar nosso tempo, mais ocupados e ansiosos nos sentimos. Citando o antropólogo Edward T. Hall em The Dance of Life: The Other Dimension of Time, Burkeman descreve como o tempo no mundo moderno parece uma esteira rolante que acelera à medida que nos tornamos mais produtivos, trazendo novas tarefas assim que terminamos as antigas.
Um exemplo do livro que não tem nada a ver com produtividade do estilo “lista de tarefas” ou “inbox zero” está morando na minha cabeça sem pagar aluguel desde que li: é inegável que máquinas de lavar roupas liberaram as donas-de-casa (ou faxineiras) do trabalho braçal de esfregar cada peça de roupa da família. Ninguém vai defender que “antigamente é que era bom”. Mas…
A historiadora Ruth Schwartz Cowan mostra que, quando donas de casa têm acesso pela primeira vez a dispositivos que “poupam trabalho”, como lavadoras de roupa e aspiradores de pó, não se poupa tempo algum, porque os padrões de limpeza da sociedade simplesmente aumentam para contrabalançar os benefícios; agora que você pode fazer cada camisa de seu marido voltar a ficar impecavelmente limpa após um único uso, começa a achar que deve fazer isso para mostrar o quanto o ama.
Um autodeclarado “nerd da produtividade”, Burkeman conta que quando tentou implementar o sistema “inbox zero” para gerenciar e-mails descobriu que, ao se tornar mais eficiente em responder a e-mails, acabou recebendo ainda mais mensagens, aumentando sua carga de trabalho em vez de reduzi-la. Suspeito que o mesmo vai acontecer agora que e-mails são escritos (e resumidos) pela IA.
As técnicas convencionais de gestão do tempo e produtividade não resolvem o problema fundamental, apenas o exacerbam. Burkeman cita o exemplo do livro A arte de fazer acontecer de David Allen e seu método GTD (getting things done) — que eu particularmente gosto e mudou minha relação de ansiedade com minhas tarefas, só não me deixou mais produtivo nem com “inbox zero”. Para mim o segredo é não levar estes guias 100% a sério (nem este aqui). Quem sabe um dia até fazemos um Clube de Cultura sobre GTD… 🤔
Assim como eu fiz em algum episódio do Boa Noite Internet, Burkeman relembra a previsão feita por John Maynard Keynes em 1930, que cravou que em um século ninguém precisaria trabalhar mais do que quinze horas por semana. OK, eu espero você parar de rir (de desespero). Burkeman observa que com o crescimento da sociedade de consumo do século 20, à medida que as pessoas ganham mais dinheiro, elas encontram novas coisas para desejar, levando a um ciclo contínuo de trabalho cada vez mais árduo.
Além disso, essa condição dos bem-sucedidos de estar sempre ocupados é contagiosa, porque um modo extremamente eficaz de ganhar mais dinheiro, para os que estão no topo da pirâmide, é cortar custos e melhorar a eficiência em suas companhias e indústrias. Isso significa maior insegurança para os que estão mais abaixo, que são então obrigados a trabalhar mais duro só para os alcançar.
Temos a sensação de que raramente conseguimos fazer as coisas certas, apesar de toda essa atividade. Burkeman sugere que há maneiras importantes e satisfatórias de passar nosso tempo, mas sistematicamente acabamos fazendo outras coisas.
A gestão do tempo, como a conhecemos, fracassou miseravelmente.
Precisamos reconsiderar nossa relação com o tempo. A produtividade é uma armadilha; tornar-se mais eficiente só faz você se apressar mais; ninguém jamais atingiu o “equilíbrio vida-trabalho”; e nunca chegará o dia em que você terá tudo sob controle.
Mas quer saber? Isso é uma excelente notícia.
Capítulo 1 — A vida abraçando o limite
Olha, vou te falar que quase cancelei o Clube de “Quatro mil semanas” depois desse capítulo. Foram muitas verdades jogadas na minha cara!!! 😭 Oliver Burkeman mete um grande memento mori — a técnica estoica de relembrar a todo instante que “um dia você vai morrer” — seguido de vários “você está fazendo tudo errado, Cristiano!”
Parte da nossa ansiedade com produtividade vem de ela ser good for business, como eu gosto sempre de falar. Se estamos ansiosos, estamos mais propensos a comprar produtos que “aumentam nossa produtividade”. Mas como vimos acima, na introdução, esta é uma luta impossível de se vencer, a esteira rolante que acelera quando andamos mais rápido.
Neste capítulo aprendemos que o tempo nem sempre foi uma “coisa”. A visão de Burkeman é de que nossa obsessão por “gerenciar” o tempo é, na verdade, uma tentativa frustrada de escapar das limitações inevitáveis da vida humana. Se vivêssemos para sempre, deixaríamos tudo para depois. Ele faz vários contrastes da nossa vida contemporânea com a medieval, quando os relógios não eram parte da sociedade, mas também de quando o cristianismo era parte fundamental da vida e nossa passagem pela Terra era vista só como um prefácio para a “pra valer” no além.
Na época em que o tempo não era uma “coisa”, vivia-se no que ele chama de um “tempo profundo”. As pessoas diziam que uma tarefa ia durar uma estação, um dia, “o tempo de um Pai-Nosso” ou “de uma mijada”.
Trabalhadores levantavam-se com o sol e iam dormir ao escurecer, a duração de seus dias variava com as estações. Não havia necessidade de pensar no tempo como algo abstrato e separado da vida: você ordenhava as vacas quando elas precisavam ser ordenhadas e fazia a colheita quando era o momento da colheita. (…) Historiadores chamam esse modo de vida de “orientado para tarefa”, porque os ritmos da vida emergem organicamente das próprias tarefas, e não por estarem alinhados ao longo de uma abstrata linha do tempo, abordagem que se tornou natural para nós hoje em dia.
A vaquinha precisava ser ordenhada hoje e de novo amanhã (até porque além do relógio, as geladeiras e a pasteurização tampouco tinham sido inventadas). Não dava para “dar uma adiantada” no leite da semana para amanhã focar em outro jóbe.
Só que para conseguirmos coordenar tarefas, o tempo precisou ser fracionado, medido e controlado — como os monges que precisavam acordar todos juntos antes do pôr do sol para as matinas, orações da manhã. O tempo então passa a ser “real”, uma commodity que pode ser comprada, como carvão, ferro ou vacas. Trabalhos começaram a ser pagos pelo “homem/hora” e patrões começaram a reclamar que seus empregados estavam lhe roubando “fumando, cantando, lendo notícias, em brigas, disputas, tudo que seja estranho a meu negócio ou qualquer tipo de vadiagem”, como declarou um magnata do ferro inglês em 1790.
Fazer o tempo ficar padronizado e visível desse modo estimulava inevitavelmente as pessoas a pensar nele como uma coisa abstrata com uma existência independente, distinto das atividades específicas nas quais se poderia passá-lo; “tempo” é o que vai indo embora quando os ponteiros avançam no mostrador.
(…)
Você não precisa acreditar (…) que a invenção do relógio é a única coisa a se culpar pelos problemas relativos ao tempo hoje em dia. (E eu certamente não vou reivindicar um retorno ao estilo de vida dos camponeses medievais.) Mas um limiar foi ultrapassado. Antes, o tempo era apenas um meio no qual a vida se desenrolava, aquilo de que a vida era feita. Depois, quando “tempo” e “vida” foram separados na maioria das mentes das pessoas, o tempo tornou-se uma coisa que você usava. (…) Uma vez sendo o tempo um recurso a ser usado, você começa a se sentir pressionado, seja por forças externas, seja por você mesmo, a usá-lo bem, e a se recriminar quando acha que o desperdiçou.
No início de agosto fomos passar alguns (infelizmente poucos) dias de férias em Florianópolis. Desde a volta, eu e Anna passamos a contar que o ponto alto da viagem foi um dia onde acordamos, saímos para tomar café da manhã em um restaurante charmoso e pacato perto da Lagoa da Conceição e, a partir daí, nossa “agenda” foi fazer o que dava vontade na hora — inclusive ficarmos sentados na beira da lagoa conversando e vendo as ondinhas fazendo chuá. Enquanto escrevia estas palavras aqui tentei lembrar de quanto tempo ficamos sentados ali. Não faço ideia e talvez este seja o ponto. Mais do que “fugir do escritório e não ter que aturar chefe”, sair de férias pode nos fazer bem ao nos colocar de volta ao “tempo profundo” que Burkeman fala.
Cada hora, semana ou ano é como um contêiner sendo transportado pela esteira, que temos de preencher quando ela passa se quisermos sentir que estamos fazendo bom uso de nosso tempo. Quando há atividades demais para serem acomodadas confortavelmente nos contêineres, nós nos sentimos desconfortavelmente atarefados; quando há demasiadamente poucas, nos sentimos entediados.
Nossa obsessão com a produtividade é frequentemente uma fuga, segundo Burkeman. Evitamos confrontar questões difíceis sobre nossas vidas, relacionamentos e mortalidade, preenchendo cada momento com atividade. (eu falei que ele ia dar na cara) Mas esta estratégia está fadada ao fracasso.
Logo, sua percepção de autovalorização fica totalmente ligada a como você usa seu tempo: ele deixa de ser meramente a água em que você nada e passa a ser algo que você sente que tem que dominar ou controlar se quiser evitar sentir-se culpado, em pânico ou sobrecarregado. O título de um livro que chegou outro dia em minha mesa resume isso lindamente: Master Your Time, Master Your Life [Comande seu tempo, comande sua vida].
Se você é pobre, a culpa é toda sua. Era só ter comprado aquele bullet journal perfeito, de preferência com uma caneta macia que não borra. É tão simples!
Nossa obsessão por produtividade é uma tentativa de dominar o futuro. Se eu me organizar, tiver eficiência, autodisciplina e empenho, se cumprir com todas as obrigações que me forem dadas, não preciso me preocupar com o futuro. Tudo vai dar certo, porque eu fiz a minha parte. Está tudo sob controle.
Se eu conseguisse atender a toda demanda de todo editor, enquanto deslanchava meus próprios projetos paralelos, talvez um dia eu me sentisse seguro quanto a minha carreira e minhas finanças. (…) Se eu conseguisse terminar trabalhos o suficiente, concluíra aparentemente meu subconsciente, não precisaria perguntar se era tão saudável extrair tanta percepção de autovalorização do trabalho, para começar.
Lutamos mentalmente contra o modo como as coisas são — de maneira que, nas palavras do psicoterapeuta Bruce Tift, “não tenhamos que participar conscientemente do que parece ser claustrofóbico, aprisionado, impotente, e restringido pela realidade”. (…) E assim, em vez de encarar nossas limitações, nos envolvemos em estratégias de evitação, num esforço de continuar nos sentindo como se não tivéssemos limites. Esforçamo-nos mais duramente, perseguindo fantasias de um perfeito equilíbrio entre trabalho e vida; ou implementamos sistemas de gestão de tempo que prometem arranjar tempo para tudo, de modo que não sejam exigidas duras escolhas. Ou procrastinamos, que é outro meio de manter a sensação de controle onipotente sobre a vida — porque, obviamente, você não precisa se arriscar à perturbadora experiência de falhar num projeto intimidador se nem sequer começá-lo.
Apaga, Oliver, tem criança chorando.
Calma que piora, porque semanas após ter dito no meu próprio podcast que “eu quero tudo”, Burkeman critica quem “diz sim para tudo”, “deixa várias opções em aberto”. Enfim, a hipocrisdias.
Hoje em dia uma frase muito comum para falar de satisfação profissional é “eu faço meus horários”. Achamos que ao controlar nossas demandas teremos menos bunout. Mas pela visão de Burkeman isto pode ser só mais um sintoma da epidemia de individualismo, do cada um por si — nem que seja da agenda. Um caminho a se pensar foi o que comentei outro dia na newsletter sobre o “poder de servir”, por conta do trabalho voluntário do TEDxBlumenau:
Esse confronto com a limitação revela também a verdade de que a liberdade, às vezes, será encontrada não ao obter maior soberania sobre seu próprio cronograma, mas ao se permitir ser restringido pelos ritmos da comunidade — participando de formas de vida social nas quais você não chega a decidir exatamente o que faz ou o que não faz.
Ou quando a Anna fala no Pouca Vergonha “Fantasias e Fetiches” que algumas pessoas relatam que têm interesse em BDSM1 porque acham que já precisam ter tanto controle sobre suas vidas, precisam tomar tantas decisões todos os dias, que naquele momento (seguro e com tudo combinado) querem apenas, radicalmente, apenas obedecer.
Chegando ao final do capítulo, ele propõe uma abordagem radical: receber nossas limitações com um abraço. Aceitar que nunca teremos tempo para tudo, que escolhas difíceis são inevitáveis e que temos controle limitado sobre nossas vidas.
Ironicamente, a constatação de que isso tinha sido uma inútil estratégia para obter paz de espírito me trouxe certa imediata paz de espírito. (Afinal, uma vez tendo se convencido de que algo que se está tentando é impossível de se conseguir, fica muito mais difícil continuar a se repreender por ter fracassado.)
Burkeman reconhece que os problemas com o tempo não são meramente mentais, mas resultam de pressões externas como a economia predatória, a perda de redes de apoio e expectativas sexistas. Ele cita o seminal artigo de
(que virou livro), onde ela argumenta que não vamos resolver estes problemas “com férias, livro de colorir para adultos, cozinhar como terapia para ansiedade, a técnica Pomodoro, ou passar a noite fazendo coisas absolutamente excêntricas ou desnecessárias”. No entanto, Burkeman enfatiza que enfrentar a realidade pessoal é crucial. Ao reconhecer que certas demandas são impossíveis, podemos resistir a elas e focar em construir uma vida significativa dentro de nossas limitações, em vez de colaborar com expectativas irrealistas.Nenhum de nós é capaz de, sozinho, derrubar uma sociedade dedicada a uma ilimitada produtividade, distração e velocidade. Mas bem aqui, bem agora, você pode parar de comprar a ilusão de que qualquer uma dessas coisas vai lhe trazer satisfação algum dia. Você é capaz de enfrentar os fatos. Pode ligar o chuveiro, preparar-se para uma revigorante água gelada e entrar.
Aceita que dói menos.
Agora é com você
Como comentei, desta vez quero testar a conversa sobre estes dois capítulos no chat em vez de caixa de comentários. Por um lado é mais dinâmico e menos formal, por outro, reparei que ainda tem gente comentando sobre os capítulos de Resista e no chat a conversa pode ganhar uma cara de “o assunto já passou” rápido demais. Diga o que você acha sobre isso no chat!
A seguir: os resumos-conversa dos capítulos 2 e 3, “A armadilha da eficiência” e “Enfrentando a finitude”.
Até lá,
crisdias
BDSM é um acrônimo para Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo. Um conjunto de práticas sexuais consensuais que envolvem jogos de poder, controle e, às vezes, dor. Todas as atividades são baseadas no consentimento mútuo e respeito entre os participantes.