Será que a inteligência artificial é capaz de criatividade de verdade? Há quem diga que não, dizendo que as IAs apenas processam e recombinar informações existentes — eu mesmo escrevi uma newsletter inteira dizendo que a IA jamais fará artes. Mas… a histórica partida do AlphaGo contra o campeão mundial de décimo dan Lee Sedol em 2016 faz a famosa provocação do que é criatividade no fim das contas.
O Go é um jogo milenar, com estratégias refinadas ao longo de séculos. Na cultura oriental, era considerado uma das artes essenciais para um cavalheiro refinado, ao lado da caligrafia, da música e da pintura. Jogadores profissionais dedicam suas vidas a dominar suas nuances, desenvolvendo filosofias inteiras em torno do jogo, visto como um espelho da vida e da política. O que acontece quando uma IA entra no tabuleiro sem o peso dessas tradições e interpretações culturais?
Durante a partida de 2016, o AlphaGo surpreendeu não apenas Sedol, mas todo o mundo do Go com movimentos descritos como “criativos” e “únicos”. A 37ª jogada na segunda partida, por exemplo, foi tão inesperada que deixou os comentaristas perplexos. Um dos maiores jogadores ocidentais, comentou que era uma jogada que “nenhum humano jamais faria”.
Mas aí eu pergunto: alguém aprendendo Go fizesse uma jogada semelhante? Provavelmente receberia de seus mestres a ordem de “voltar e fazer do jeito certo”. Até que ponto o “sempre foi feito assim” é uma limitação à inovação?
O historiador Yuval Noah Harari trouxe uma boa perspectiva sobre o impacto do AlphaGo no seu novo livro Nexus e no podcast The Gray Area. Ele compara o conhecimento humano do Go a uma ilha, argumentando que o AlphaGo revelou continentes inteiros de estratégia antes desconhecidos. Harari vê isso como o início de um novo processo evolutivo, aonde a IA, operando em velocidades muito superiores à evolução orgânica, apresenta tanto oportunidades quanto desafios significativos para nossas estruturas sociais e políticas.
A vitória do AlphaGo sobre Lee Sedol não significou o “fim” do Go, como alguns temiam. Pelo contrário, o interesse pelo jogo explodiu após esse evento histórico. Assim como ocorreu com o xadrez após a vitória do Deep Blue sobre Kasparov, o Go experimentou um renascimento. As pessoas não estão interessadas na “solução” do Go, mas na revelação de que ainda há muito a ser explorado nesse jogo milenar.
E se em vez de ver a IA como uma ameaça à criatividade, passarmos encará-la como uma ferramenta que expande nossos horizontes criativos? Ela pode nos mostrar possibilidades que nunca teríamos considerado, desafiando nossas suposições e nos inspirando a pensar de maneiras novas e ousadas. A criatividade não é uma competição entre humanos e máquinas. É uma colaboração, onde cada um traz suas forças únicas. A IA pode nos ajudar a ver além de nossas limitações autoimpostas, enquanto nós, humanos, trazemos a profundidade emocional e contextual que dá significado a essas descobertas.