Você sabe a diferença entre escrever e digitar?
Uma distinção importante na era da "IA criativa"
Existe uma frase que sempre me volta à mente na discussão do uso de IA para tarefas criativas. Foi uma crítica que Truman Capote fez sobre Jack Kerouac: “Isso não é escrever, é digitar”. Capote não gostava do estilo “freestyle” de Kerouac em On the Road: pé na Estrada.
Aprendi essa história enquanto ouvia Chuck Palahniuk explicar seu processo criativo no podcast do Joe Rogan, em 2018. Tenho uma certa fascinação por Palahniuk, não só por ser o autor de Clube da Luta, mas também porque faz aniversário no mesmo dia que eu. Ele conta que faz questão de escrever seus rascunhos à mão, em cadernos, observando pessoas em cafés e lugares públicos. Para ele, isso é escrever. A parte de passar para o computador? Isso é só digitar.
Essa digitação eu faço mesmo é no avião… Eu encho caderno atrás de caderno quando estou na rua, e aí quando estou preso em algum lugar insuportável tipo avião ou aeroporto, é que eu faço essa parte chata de passar tudo pro computador. (…) Para mim, escrever é algo que acontece no calor do momento, quando observo alguém dizendo alguma coisa interessante.
Para mim, o debate sobre IAs “roubando” o trabalho criativo parte de um pressuposto errado. Modelos de linguagem não escrevem — eles digitam.
Alguém pode entrar no Claude ou ChatGPT e digitar “escreva um post de LinkedIn sobre a questão da IA ser criativa ou não” achando que está escrevendo. Mas a verdadeira escrita acontece antes. Está na escolha do tema, na definição do tom, na decisão de qual história contar e por quê. Está nas conexões que fazemos, nas referências que escolhemos, na forma como organizamos as ideias para criar significado. No ponto de vista.
A IA pode juntar palavras, mas não pode decidir quais palavras importam.
É uma distinção sutil, mas fundamental. Quando Palahniuk escreve em seus cadernos, ele está processando o mundo, fazendo conexões, descobrindo histórias. O computador é só o destino desse processo.
Da mesma forma, esta newsletter não começou pedindo para uma IA criar um texto. Meu processo de “escrita” nasceu quando ouvi a entrevista e pensei “hmmm… isto é um insight interessante”. Anos atrás. E só hoje decidi que era a hora de falar disso.