Hoje é amanhã.
— Phil Connors (Bill Murray)
Janeiro é o mês das possibilidades infinitas. Passamos dezembro revendo o que passou e dizendo: Chega, não aguento mais! Mas janeiro, ah, em janeiro tudo pode mudar. Eu vou me preparar para correr aquela maratona, vou escrever o livro que eu sempre sonhei e, claro, vou parar de ficar no telefone o dia todo!
Eu nunca soube lidar com janeiros na dose certa. Durante muito tempo fui desse tipo que faz listas e planos, porque afinal de contas, se não planejamos, não chegamos a lugar nenhum, não é mesmo? Uma ou duas vezes cheguei até a fazer aquela prática de escrever uma “reportagem” que se passa 12 meses depois narrando o que aconteceu no ano — também pode ser uma carta que você escreve para si, meio que uma mensagem na garrafa + máquina do tempo.
“Em 2010, Cris Dias foi finalmente promovido e mudou-se para uma linda casa na beira de um lago. Foi um ano de dificuldades, mas mantendo o foco e tomando remedinho ele conseguiu.” Depois é só “seguir a história”. Moleza.
Eu já vi, supostamente, esta prática funcionar com algumas pessoas. Pelo menos uma. Para mim, só serviu para mostrar que, como bem disse John Lennon quando virou pai, a vida é o que acontece enquanto estamos fazendo planos. “Coisas” aparecem e as cartinhas viram documentos de um sonho fracassado. O que era para ser motivação logo vira frustração, a prova de que a culpa é toda minha.
Por isso, em vários anos, minha prática de janeiro foi apenas “é um mês como outro qualquer, não preciso planej vcar nada”. O que também não é verdade. É um recomeço, nem que seja porque para a maioria das pessoas é assim. Espera-se alguma mudança, ajuste de curso ou pelo menos reação ao ano anterior.
Como contei na última edição, 2024 foi um ano bom para mim, que me ajudou a entender algumas coisas sobre mim e sobre meu trabalho. Então, de certa maneira, boa parte do planejamento de 2025 é “continuar nessa direção”. Não preciso me reinventar totalmente — e olha que eu tenho experiência nisso, dependendo de como você contar, já estou na minha terceira carreira.
Se eu tiver que resumir meus planos para 2025, seria “publicar mais coisas”. Jogar mais newsletters no mundo, descobrir jeitos sustentáveis de fazer mais podcast. E se a resolução de ano novo mais comum no mundo deve ser “começar a fazer academia” a minha, ano após ano, é “fazer vídeo”. Eu tinha um plano.
Então, a nação do fogo atacou.
Terça-feira, 7 de janeiro, meu último dia de férias real-oficial no Rio de Janeiro — no dia seguinte era pegar a estrada, voltar para casa e parar de ficar só pensando em como seria 2025. Fui mostrar minha antiga universidade para minhas filhas, que vem a ser um cenário bem recorrente de pesadelos. Não que meu tempo lá tenha sido um pesadelo, foi bom. Eu estudava de noite, o que significa que a maioria do campus estava vazia e escura. Comecei a estagiar no segundo ano, ia direto do trabalho para a aula, vestindo terno e gravata como praticamente todo mundo. Mas era bom. É só que o departamento de produção dos meus sonhos gosta de usar aqueles corredores — e também o estacionamento, estranhamente — como cenário daqueles pesadelos recorrentes: faltou uma matéria para eu me formar; estou atrasado, mas não encontro meu carro; começou o semestre, mas não peguei a grade de horários; onde é a saída desse labirinto?!?
Quando sentamos para almoçar, abri o Instagram para mostrar um vídeo que havia visto mais cedo e o primeiro post é um vídeo do meu ex chefe da chefe do chefe da chefe do chefe do meu chefe. Mark Zuckerberg,[1] agora em versão bolander, cabelo encaracolado, cordão de ouro no pescoço, relógio de 5 milhões de reais no pulso. Você sabe que vídeo é esse, né?
Zuckita começa falando sobre “voltar às raízes”, reconhecendo que os sistemas de moderação de conteúdo das suas plataformas não estão funcionando bem. “Oba, que legal, agora vai” — pensei eu, bobinho. Começa então uma sequência tão grande de absurdos que olhei mais de uma vez se era mesmo o perfil dele e não algum deep fake de humor.
Ele chega a dizer em certo ponto que as agências de fact checking “destruíram mais verdade do que criaram”. Avisa que a equipe de moderação de conteúdo vai deixar de ser na Califórnia por ser constantemente acusada de ser esquerdinha demais. Agora ela vai ser no Texas! Zuck “reconhece os erros” dizendo que a culpa não é dele, é dessa galerinha milituda.
O vídeo continua e ele diz que, em vez de tentar verificar posts no modelo atual, vai adotar um sistema parecido com o do… Twitter! Aquele “paraíso” que conhecemos bem. É o sistema onde a “comunidade” pode adicionar notas abaixo do post “esclarecendo” o que foi dito. Sistema que serve mais para manter a aparência de isenção do que realmente parar desinformação e violência. Um “crowdsourcing da verdade” — ou só um “as pessoas decidem o que é verdade ou não”.
Para fechar, diz que vão trabalhar mais perto do governo Trump para garantir a liberdade de expressão no mundo, já que “em lugares como a América Latina” existem tribunais secretos que silenciam vozes. Piscadinha pro Xandão. (A Meta Brasil respondeu ontem ao governo dizendo que o que vale lá não vai valer aqui. Aguardemos.)
Deu para dizer que minhas férias acabaram ali, né? Fiquei o dia todo surtado com esse vídeo, trocando mensagens em alguns grupos — principalmente o de ex-funcionários da Meta — e também com alguns funcionários atuais, que falavam pouco e só se mostravam assustados e exaustos.
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