📙 Tempo espetacular — quando a atenção vira produto
Resumo comentado de "A sociedade do espetáculo", capítulo 6.
Mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer
— Caetano Veloso e Gilberto Gil
“Nossa atenção é nossa vida”, escreveu Oliver Burkeman em Quatro mil semanas, segundo livro aqui do nosso Clube de Cultura — se você ainda não leu, aproveite.
Se acreditamos que isso é verdade, cada minuto que passamos scrollando um feed infinito, assistindo a stories que desaparecem em 24 horas ou respondendo notificações de trabalho fora do expediente não é apenas tempo perdido. É vida transferida para outra conta. (a do Zuck)
Guy Debord escreveu A sociedade do espetáculo em 1967, quando a televisão era a tela dominante. Mas suas teses sobre o “tempo espetacular” servem muito bem para descrever o que hoje chamamos de economia da atenção. O “tempo-mercadoria” de que ele fala é atenção-mercadoria, os “blocos de tempo totalmente equipados” vendidos como produto são assinaturas de streaming, os “pseudo-acontecimentos que não foram vividos” são a vida performada para redes sociais.
Atenção é tempo, tempo é vida. Quem captura sua atenção, captura seu tempo. Quem captura seu tempo, captura sua vida. O espetáculo, para Debord, não é apenas o que aparece nas telas. É o sistema que transforma nossa existência em mercadoria consumível, um minuto de cada vez.
Debord abre o capítulo com uma citação de Baltasar Gracián: “Nada de nosso temos senão o tempo, de que gozam justamente aqueles que não têm paradeiro”. Em 1647, o filósofo espanhol já entendia que o tempo é o único recurso verdadeiramente limitado. O que mudou desde então é quem lucra com esse recurso.
Na tese 147, Debord estabelece o conceito central do capítulo:
O tempo da produção, o tempo-mercadoria, é uma acumulação infinita de espaços equivalentes. É a abstração do tempo irreversível, de que todos os segmentos devem provar ao cronômetro a sua única igualdade quantitativa. Este tempo é, em toda a sua realidade efetiva, o que ele é no seu caráter permutável. É nesta dominação social do tempo-mercadoria que “o tempo é tudo, o homem não é nada: é quando muito a carcaça do tempo”.
“O tempo é tudo, o homem não é nada”. A frase, que é de Marx, está em cada aplicativo de time-tracking, cada técnica de pomodoro, cada “ritual matinal dos CEOs de sucesso”. O que vendemos como “gestão de tempo” é, na prática, gestão de atenção. E o que chamamos de “produtividade” é, frequentemente, a arte de vender nossa atenção para quem paga mais.
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