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📙 Tempo e história — "tempo é dinheiro" nunca foi tão verdade

Resumo comentado de "A sociedade do espetáculo", capítulo 5.

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crisdias
dez 12, 2025
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Tempo, tempo, mano velho
Falta um tanto ainda, eu sei
Pra você correr macio.
— Pato Fu

Em 2025, quase 26, é muito comum quando alguém diz o famoso “tudo bem?” respondermos com alguma versão de “tá corrido”. Nunca produzimos tanto, nunca os PIBs mundiais foram tão altos. Mas estamos todos exaustos.

Só que dizemos a nós mesmos que a culpa é nossa. Se pelo menos eu otimizasse mais meu tempo, tivesse a lista de tarefas certa, o novo bullet journal, seguisse o método pomodoro, tudo seria diferente. Se não dou conta, a culpa é minha.

Talvez a culpa seja do tempo.

Em seu ensaio sobre produtividade e trabalho, Time, work-discipline and industrial capitalism, o historiador inglês E. P. Thompson conta:

Em Madagascar, o tempo podia ser medido por “um cozimento de arroz” (cerca de meia hora) ou “a fritura de um gafanhoto” (um instante). Povos da região do rio Cross diziam que “o homem morreu em menos tempo do que o milho leva para ficar completamente assado” (menos de quinze minutos).

Não é difícil encontrar exemplos mais próximos de nós, no tempo cultural. No Chile do século XVII, o tempo era frequentemente medido em “credos”: um terremoto, em 1647, foi descrito como tendo durado dois credos; o ponto de cozimento de um ovo podia ser avaliado pelo tempo de uma Ave-Maria rezada em voz alta. Na Birmânia, em tempos recentes, monges se levantavam ao amanhecer “quando já há luz suficiente para ver as veias da mão”. O Oxford English Dictionary traz exemplos em inglês como “pater noster wyle” (o tempo de um “pai nosso”), “miserere whyle” (o tempo de rezar o Salmo 51) e — no New English Dictionary, mas não no Oxford — “pissing while”, uma medida bastante arbitrária (o tempo de uma mijada).

Pierre Bourdieu examinou mais de perto as atitudes em relação ao tempo entre camponeses cabilas (na Argélia), em anos recentes: “Uma atitude de submissão e de indiferença despreocupada à passagem do tempo, que ninguém sonha em dominar, gastar ou economizar… A pressa é vista como falta de decoro, somada a uma ambição diabólica.” O relógio às vezes é chamado de “o moinho do diabo”; não há horários exatos para as refeições; “a ideia de um compromisso marcado com precisão é desconhecida; combinam apenas de se encontrar ‘no próximo mercado’”. Uma canção popular diz:

É inútil correr atrás do mundo;
ninguém jamais consegue alcançá-lo.

Na segunda edição do Clube de Cultura, vimos o livro “Quatro mil semanas” de Oliver Burkeman, onde ele defende que nossa relação com o tempo está totalmente errada. Quanto mais nos “otimizamos”, mais ocupados ficamos. Uma inbox zero leva a mais e-mails, já que as pessoas vão responder às mensagens que enviamos.

Nossa gestão do tempo fracassou.

O que Guy Debord conta no capítulo de A sociedade do espetáculo é por que ela fracassou. O tempo não é seu, nunca foi. Cada forma de sociedade produz sua forma de tempo — e quem controla o tempo controla a sociedade.

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