Sapateando até Belém: Deus no horário nobre
Resumo comentado de “Amusing ourselves to death”, capítulo 8
Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom.
— Mateus 6:24
Essa semana ainda mais gente chegou no Boa Noite Internet — acho que foi o recorde do ano. Ooooooooi! Esta aqui é uma edição do Clube de Cultura do Boa Noite Internet, onde escolhemos uma obra relevante para entender nosso tempo e acompanhamos juntos, capítulo por capítulo. Toda sexta, publico um resumo comentado que conecta as ideias com o presente. Você lê junto ou só acompanha as discussões — participe como der.
Se o algoritmo define quem será ouvido, a voz é de Deus ou do TikTok?
“Shuffle Off to Bethlehem”, o título deste capítulo, é uma paródia de “Shuffle Off to Buffalo”, número musical do filme “42nd Street” de 1933. Postman pega a coreografia alegre da Broadway e brinca com a jornada sagrada até Belém — como se os Reis Magos estivessem sapateando até o presépio. É ele avisando desde a primeira linha que vamos falar de fé convertida em espetáculo, de transcendência embalada para consumo.
Começamos com a história da Reverenda Terry Cole-Whittaker, uma televangelista de cabelo impecável — daqueles que “não podem ser bagunçados, apenas quebrados” — vendendo kits de prosperidade enquanto a plateia ri como se estivesse assistindo a um programa de auditório. O kit promete aproximar o fiel de Jesus enquanto enche sua conta bancária. Talvez Deus discorde. No momento em que Postman escrevia, a Reverenda Terry havia acabado de declarar falência.
TV e religião são uma mistura daquelas. Lendo Postman fica mais fácil ver como viemos parar em 2025 — a religião voltou à política americana com força total, algo que tinha praticamente desaparecido no pós-guerra. Em 1985, havia 35 canais de TV pertencentes a organizações religiosas nos EUA. Hoje são 133, um salto de 2% para 7,5% do total de canais abertos. No Brasil, temos dezenas de emissoras religiosas com centenas de retransmissoras. A RIT, da Igreja Internacional da Graça de Deus, tem mais de 170 afiliadas. A Redevida, da Igreja Católica, opera com cobertura nacional. A Igreja Universal do Reino de Deus lançou a TV Templo em 2021, além da TV Universal que já controlava e, claro, a Rede Record, que pertence diretamente a Edir Macedo.
Postman conta que assistiu 42 horas de programas religiosos para escrever este capítulo — “cinco teriam bastado”, ele admite. Foi assim que chegou a duas conclusões centrais.
Primeira: na televisão, a religião é apresentada como entretenimento puro e simples. Tudo que torna a religião uma atividade humana histórica, profunda e sagrada é eliminado. Não há ritual, dogma, tradição, teologia e, principalmente, não há transcendência espiritual. O pregador é a estrela. Deus fica em segundo plano.
Segunda conclusão: isso tem mais a ver com as limitações do meio televisivo do que com as deficiências dos pregadores eletrônicos.
Embora possa parecer antiamericano dizer isso, nem tudo é televisível.
Religião na mídia é big business. O faturamento da “igreja eletrônica” já passava de 500 milhões de dólares por ano em 1985 — ajustado pela inflação, seria mais de 1,3 bilhão hoje. O setor religioso americano movimenta quase 400 bilhões anuais em 2025. Há até empresas como a Vanco se especializam em sistemas de pagamento só para igrejas — e ouvi dizer por aí que a Igreja Universal é a maior cliente da Cielo no Brasil, demandando inovações tecnológicas para a sacolinha em tempo real.
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