O paradoxo do fim do mundo
Não se preocupe, ele não vai acabar. Mas se você não se preocupar, ele vai acabar sim.
Existem apenas dois ramos de negócios que chamam seus clientes de usuários: traficantes de drogas e empresas de internet.
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“Tempos sombrios estão chegando”. Vi e ouvi esta frase de jeitos diferentes por conta da posse de Donald Trump. Seus discursos radicais fazem parecer que tudo está perdido, que o mundo vai acabar, que talvez o melhor seja desistir, se alienar, se entregar.
Se pegássemos uma máquina do tempo em direção ao passado, parando a cada 50 ou 100 anos, veríamos uma em comum entre todas as sociedades e, provavelmente, até mesmo mais e mais no passado, até os tempos em que éramos só bolhas de aminoácido flutuando no oceano. A narrativa de que o fim está próximo. O mundo em perigo, a sociedade ruindo.
Spoiler: o mundo não acabou.
Em 2020, parecia que agora vai e o mundo ia acabar mesmo, nas mãos do vírus ou pela incompetência dos políticos. A palavra do ano do dicionário australiano Macquarie Dictionary foi “doomscrolling”, o ato de ficar rolando os feeds vendo uma infinita sequência de coisas ruins. Só que lembro de quando eu era criança e minha mãe ligava a TV para ver o noticiário (o “repórter”) e dizia: hora de ver as desgraças do dia!
Por isso, quando vejo pessoas queridas aqui no Brasil e nos EUA perdendo literalmente o sono com o segundo governo Trump, meu instinto é dizer “calma, não adianta nada agir assim”. O mundo não vai acabar e sempre achamos que o fim estava próximo. Vai dar certo.
Mas se ninguém se preocupar, não é aí que o mundo acaba de vez?
Verão em Berlim
Quando William Dodd chegou a Berlim como embaixador americano em julho de 1933, a cidade parecia normal. Sua filha Martha escreveu sobre a primeira noite na cidade: ruas tranquilas, árvores frondosas, nenhum sinal de soldados ou polícia. Tudo parecia “pacífico e romântico”.
Mas com a ascensão de Hitler, a Alemanha sofria um espasmo de violência. As Tropas de Assalto (os storm troopers originais) prendiam, espancavam e matavam comunistas, anarquistas, socialistas e judeus. O governo controlava a imprensa. Criava prisões e centros de tortura. E mesmo assim, parte do mundo preferia não ver.
O então recém-empossado presidente americano Franklin D. Roosevelt disse a Dodd que a perseguição aos judeus na Alemanha era “lamentável”, mas um assunto interno alemão. O conselheiro presidencial Edward M. House (o “Coronel House”) chegou a dizer que os judeus tinham parte da culpa por “dominarem a vida econômica em Berlim”. Já Charles Crane, um influente filantropo americano, foi além: disse a Dodd para “deixar Hitler fazer do jeito dele”. Até mesmo a comunidade judaica americana se dividia: alguns defendiam protestos públicos, outros temiam que manifestações só piorariam a situação dos judeus alemães. O fim dessa história você sabe.
E se o doomscrolling for o que nos mantém vivos?
Um lindo bosque verde é um dos grandes sinônimos de paz e tranquilidade. Só de ler esta palavra já dá para imaginar a cena e relaxar. O sol passando entre as folhas, pássaros cantando nos galhos. Mas, de repente, um barulho. Um galho seco estala no chão. Em um instante, dezenas de asas batem e os pássaros somem no céu. Eles estão certos. Pode não ser nada, mas os que ficaram para conferir o que era aquele barulho podem não viver para contar história (e passar seus genes de “calma, gente” adiante).
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