Estou aqui vendo toda essa história de tarifaços do Trump e também toda a sede por IA das empresas e me veio uma expressão antiga e que já foi usada de muitos jeitos (e agora, provavelmente, vou usar errado): projeto de país.
Qual país o Brasil quer ser? Porque nosso projeto de país sempre foi servir aos outros, de Portugal aos EUA. Agora esses países pararam de fingir que se importam com a gente. A principal diferença que existia entre China e EUA, aliás, era essa. Os unitedstatians pelo menos fingiam serem amigos — só queriam nos sugar, mas fingiam bem que um dia a gente podia ser igual a eles. A China, pelo menos, fala na cara. Nem sei qual eu prefiro.
Ao mesmo tempo, toda a animação dos empresários com IA mostra que o papo de que “o patrão é quem gera emprego” era outro teatro. Claro que patrão não gera emprego. Quer dizer, até gera, mas na base do “infelizmente”. É só aparecer uma tecnologia que promete minimamente não precisar de funcionários que as máscaras caem (a tecnologia nem precisou entregar de verdade).
E tome post “criei uma empresa sem funcionários, olha que legal!” com milhões de likes. Também quero! Epa, mas quando todos estiverem desempregados, quem vai comprar seu produto? Ah é, é só todo mundo “empreender”, criando IAs que vendem para outras IAs. Vai dar certo, confia.
Esta semana tive o privilégio de conversar com um dos maiores escritores do mundo, Ted Chiang — em breve no Boa Noite Internet, vem aí — e ele lembrou que “boa parte do medo contra a IA pode ser explicada como medo do capitalismo”. Adoramos a IA, mas sabemos que os conselhos de acionistas e consultores McKinsey não querem fazer imagem de Studio Ghibli, o alvo é um grande “downsizing” até não sobrar mais ninguém. Nem os consultores.
Ontem mesmo, o CEO da Apple — aquela empresa que criou o comercial mais famoso da publicidade, dizendo que o futuro não ia ser 1984 — foi dar presentes de literalmente ouro pro Trump. Mas a manchete é “Tim Cook anuncia investimentos na Casa Branca”.
Os políticos também chutaram suas próprias máscaras de que se importam com o povo, estão lá bloqueando o Congresso, não pelo povo, não pela justiça, não pelo bem, só para livrar um dos seus da cadeia. Não sou eu que estou falando isso, são eles, segura o hate aí. Até a tal da Economia, que eles tanto defenderam em 2020 — mesmo que pessoas precisassem morrer — ah, deixa a economia pra lá.
Enfim, brisas. Estou naquele horário da manhã onde o café bateu, me perdoem.
Voltemos à pergunta inicial: qual país o Brasil quer ser? Eu nem vou propor nada, porque acho que a verdade é que ninguém sabe. A ordem mundial está ruindo e nós somos como o adolescente saindo da casa dos pais sem entender quem é no mundo. Achando que a solução dos problemas é usar cabelo comprido, ouvir rock ou falar “todes”, mas aí entendendo que é tudo muito mais complicado porque o projeto precisa ser prático, não teórico. É fazer em vez de falar. Como é que troca a resistência do chuveiro elétrico mesmo?
Como sempre, não tenho respostas, só mais perguntas. Que é o que me resta.
Quem a gente quer ser quando crescer?
iremos crescer? :(
Lembro de, no livro de Crise de Narrativa da Roda que você fez pros assinantes, ele falava sobre nossa falta de imaginação e auto-observação. E eu tentei fazer esse exercício de pensar um mundo caminhando pra algo positivo e foi impossível. Não sei se era porque na época tinha lido muita notícia, ou se eu realmente tenho dificuldade de acreditar no “vai dar certo, confia”. Até porque não me deram motivo nenhum pra confiança, logo, toma aqui minha desconfiança.