Livros são feitos de livros.
— Cormac McCarthy
Veio aí. E foi sensacional.
Minha semana foi do tipo ideal para quem vive de criar. Colocar o trabalho na rua. Ver as pessoas gostando, contrariando todos os medos de que não era bem isso que deveria estar no programa. Os gráficos, rankings, o “mais compartilhados” do Spotify. A sensação de que todo o trabalho, as dezenas de horas em cima do roteiro, valeram o esforço.
Tudo isso seguido da lembrança de que essa foi só a primeira semana. Agora tem que repetir tudo de novo. E de novo. Pra ir crescendo toda semana e então começarmos a ter números que vão atrair anunciantes. Mais ouvintes também significa — por força bruta da matemática — mais assinantes e menos dependência de anunciantes. Também é hora de pensar em produtos derivados do podcast. Mas que horas eu vou fazer isso? Uma coisa de cada vez.
É isso que as vozes na minha cabeça têm dito durante a semana.
Porque como eu falei na edição anterior, só tem uma coisa mais difícil do que fazer o primeiro episódio da temporada: fazer o segundo. Ou talvez a mais difícil seja fazer todos os outros. Porque dá pra dizer que eu tive 1 ano para escrever esse primeiro episódio: desde que o programa entrou em hiato. Ou, sendo mais honesto, que eu tive 1 mês, que foi quando comecei a realmente trabalhar nele. Agora eu tenho 1 semana para cada um, por mais que eu já tenha uma lista de ideias e pré anotações.
O que torna maior ainda o meu agradecimento por você que está lendo isso e que apóia o Boa Noite Internet. Ver quantas pessoas assinam o Gold é minha verdadeira régua.
A voz na minha cabeça
“Eu tenho uma voz dentro da minha cabeça que não gosta de mim”. Uma pessoa me falou essa frase outro dia. E doeu.
É sobre isso que vamos falar domingo. Que diabo de voz é essa. É o diabo? Depois de pesquisar sobre a origem física, neurológica, da voz na cabeça eu descobri que muito pelo contrário.
Quando eu era bem criancinha e não entendia direito como é que podia ter uma voz na minha cabeça, ali conversando comigo, dando opinião, eu dizia que era a voz do meu anjo da guarda. Porque ali, quando eu não sabia quase nada do mundo, era no geral uma voz boa mesmo, daquela que acalma, que fala que vai ficar tudo bem. Que me ajuda a dar sentido pro mundo, explicando uma coisa que eu vi ou que eu vivi. Ou então o contrário, que me ouve falando alguma coisa que eu ainda estou tentando entender.
Todo mundo tem uma voz na cabeça. A diferença é a importância que a gente dá pra ela.
Domingo, 20h, no seu tocador de podcasts preferido.
Meus 5 livros preferidos de auto ajuda
Se o grande “tema” do Boa Noite Internet, ao longo destes anos, é entender que cada um tem seus problemas mas juntos todos temos problemas, ler para entender como a gente funciona é parte da diversão do trabalho. É por isso que já li alguns dos livros que estão na tal lista dos mais vendidos comentada no episódio.
Um jeito interessante de classificar a lista dos mais vendidos é separando o conteúdo em duas grandes categorias. A primeira é a do livros que nos “ditam” como é o mundo, quase que como um Moisés descendo do Monte Sinai com as tauba debaixo dos braços. O mundo é assim. Aceitai e vivei. Não por acaso esta é a categoria que traz os livros com “conhecimento bíblico”, mas também é aqui onde estão os clássicos “Como fazer amigos e influenciar pessoas” e “Quem pensa enriquece!” (nem vou botar link, né?). Incluindo meu “favorito”, do mesmo autor do Enriqueça, que é uma entrevista com o diabo contada como fato e não como alegoria sobrenatural — e que a família “impediu a publicação” por duas gerações. Ou pelo menos é isso que eles dizem. Funcionou, porque está lá sempre perto do topo do ranking de mais vendidos.
Estes livros tendem a ignorar que cada pessoa vem de um lugar diferente e passou por uma história de vida particular. Para eles, a vida correta é uma só e aqui está o manual. É por isso que também coloco nesta onda os livros listinha que falei no episódio. O poder tem 48 leis, cabe a você segui-las1.
A segunda categoria é onde eu passo mais tempo, a dos livros que pelo menos tentam ter alguma base científica, mesmo que alguns só de leve (mais no estilo do Boa Noite Internet). Eu sei que é comum dizer que “a ciência é a nova religião”, para criticar que seguimos a ciência tão cegamente quanto rituais de colheita de milênios atrás. Não queremos realmente saber a teoria por trás daquilo. Se existe um artigo científico (de preferência escrito em linguagem tão indecifrável quanto os manuscritos do Mar Morto), é verdade e pronto. Yeah, science!
Eu sou bem esse tipinho. Adoro os trechos “separamos os candidatos em dois grupos para então…”. Uh, delícia. Fazer isso quer dizer para mim serve não só há uma busca por eliminar o viés de que “todo mundo é assim” ou “é porque é”, mas também porque é possível chegar a conclusões não intuitivas. Como a do episódio “(São muitas) Emoções”, de que não é que a gente tem uma emoção e aí sente aquilo fisicamente, é o contrário. Primeiro a gente sente, depois damos um nome2.
É auto ajuda? Sim, não vou fingir que na verdade estou apenas buscando um conhecimento acadêmico. Porque no fim da leitura a sensação que fica é a tão querida “não estou doido sozinho” e também de que agora me conheço melhor, sei de onde o diabo está vindo e estou melhor preparado.
Ah, isso me lembra de uma dica importante: não se preocupe em ler nenhum destes livros até o fim. A “moda” hoje em dia neste tipo de publicação é apresentar os conceitos básicos no máximo em 2 capítulos para depois só colorir com exemplos e detalhamentos. Provavelmente porque a editora precisa que o livro tenha por volta de 200 páginas e quem escreve que se vire.
Chega de enrolar que esta newsletter já está ficando grandinha. Aqui está a lista:
Felicidade por acaso, Daniel Gilbert
Quando eu li este livro, ele era publicado por outra editora e se chamava “O que nos faz felizes”. Foi neste livro onde aprendi que a felicidade é uma escala de 1 a 10 igual para todo mundo. A sensação que tive quando comi a melhor refeição da minha vida foi a mesma que você teve quando comeu o seu prato nota 10, não importa se um de nóis foi no pé sujo da esquina ou em um famoso restaurante mil estrelas. Se amanhã eu comer algo mais gostoso, essa nova refeição vai repetir o mesmo 10 e todas as outras vão ser calibradas para notas mais baixas.
Ou que pessoas que tiveram a chance de escolher qual quadro levar para casa ficaram, no geral, mais satisfeitas com a escolha do que aquelas que tiveram a chance de escolher qual quadro levar para casa mas tinham 2 dias para mudar de ideia. E que no fim a “fórmula da felicidade” é a diferença entre a expectativa e o que vivemos na real.
Como acontece com todos os autores e autoras que estão nesta lista de hoje, as ideias do Prof Gilbert podem ser encontradas em vários TED Talks no YouTube. O livro está diretamente conectado com a apresentação dele de mais de uma década atrás.
O poder do hábito, Charles Duhigg
Se você não quiser ler este livro, tudo o que precisa saber está no título: nossos hábitos, rotinas e rituais são mais poderosos do que acreditamos. São eles quem realmente formam nossa identidade. Cabe a nós usá-los para o bem e usar técnicas (descritas no livro) para eliminar os nocivos. Achamos que somos seres únicos, cheios de livre-arbítrio, mas no fim somos só as sombras dos nossos hábitos.
Vários outros livros (e gurus) em moda hoje em dia nasceram a partir desse princípio de cultivar hábitos e o O Poder ensina a base neurológica e psicológica dos hábitos dentro da cabeça. É um livro tranquilo de ler que teve um grande impacto na minha vida quando li uns 10 anos atrás e que eu leria de novo tranquilamente — assim como o Felicidade por acaso.
É este livro quem tornou famosa a história de que a Target foi capaz de entender que uma mulher estava grávida antes mesmo dela contar para a família, apenas analisando a mudança de hábitos de compra (como mudar o consumo de álcool e café). Uma conversa necessária em tempos de “o Facebook vende meus dados” e de que empresas americanas estariam coletando esse tipo de dado para dedurar mulheres que poderiam fazer aborto em estados onde agora é proibido.
A coragem de ser imperfeito, Brené Brown
Este é um que eu confesso que não passei nem da metade. Talvez porque, como contei no podcast, já tinha visto a palestra da Prof Brown na primeira vez que fui a uma convenção global de vendas do Facebook. E chorei que nem um bebê. O livro nasceu a partir de um TED Talk e lançou a autora ao olimpo da auto ajuda, com direto a série da Netflix e tudo (que eu não vi).
Mesmo não indo até o fim, acho um livro necessário, especialmente para homens. Vulnerabilidade e a capacidade de pedir ajuda não estão na nossa caixa de ferramenta — falamos disso durante a semana lá no Discord.
Um dos elogios que mais gostei de receber sobre o Boa Noite Internet foi de que, ao contrário de toda a onda de conteúdo pessoal tradicional das redes, no podcast eu era vulnerável. Logo no segundo episódio eu parto para dizer “Saí do Facebook e agora não sei mais quem eu sou”. Se fiz isso foi por influência direta da Brené Brown.
O poder dos quietos, Susan Cain
Esse tinha que estar nessa lista, afinal de contas já foi tema de um Boa Noite Internet inteirinho, que de certa maneira vem se concretizando: com o trabalho em casa sendo o Novo Normal™ em empresas de serviço, o que o livro chama da ditadura da extroversão está sendo abrandada.
Semana passada minha terapeuta me perguntou se eu já tinha feito o teste de Tipologia de Myers-Briggs e minha resposta foi que sim… mas que desde então eu tinha aprendido que esse teste é quase tão inútil quanto horóscopo. Que é bem o tipinho de coisa que um INTP diria, é claro.
Eu sei que estou longe de ser um introvertido do jeito caricato. O tal teste inclusive mostrou que eu estou mais perto do meio do espectro do que das pontas. Só que justamente o valor do livro foi me fazer entender que introversão e timidez são coisas completamente diferentes. Foi lá também que aceitei que tudo bem eu ter a minha personalidade, mesmo que o mundo preferisse que eu tivesse outra. E por isso acho que é o livro pelo qual mais ouvi agradecimentos pela indicação. De gente que passou pelo mesmo processo de entender que não tinha um defeito — era só metade da população.
Susan Cain abriu sim as portas de hoje a introversão ser encarada com mais naturalidade. E é claro que ela tem um TED Talk resumindo o que o livro propõe.
Roube como um artista, Mostre seu trabalho! e Siga em frente, do Austin Kleon são os campeões de toda uma subcategoria que eu chamo de auto ajuda para criativos. Adoro. E que contrariam toda a classificação que fiz acima de “auto ajuda fingindo ser ciência”.
É que o bom do trabalho do Kleon é que ele não parte para os chavões do “acredite no seu potencial, siga seus sonhos”. Quer dizer, de certa maneira é exatamente isso que ele está pregando, mas no sentido de que criar algo (profissionalmente ou não) é em si um privilégio e deve ser sempre um prazer. Se você fez quer dizer que já deu certo.
O primeiro livro é muito voltado para as pessoas que dizem “Mas eu não sou criativo”, onde ele explica basicamente que ninguém é criativo do jeito que se idealiza. Incluindo a parte de que artistas “roubam” ideias dos outros e não só tudo bem, a pessoa roubada fica até lisonjeada3.
Já o segundo parece falar mais com creators em geral e defende que, como o título já entrega, devemos mostrar nosso trabalho de graça e depois não ter vergonha de cobrar por aquele ou outro trabalho derivado. É o meu favorito, me abriu a cabeça para parar com essa coisa de “minha arte não deve ter uma etiqueta de preço”. Também tem uma passagem específica sobre como o público não valoriza nosso trabalho que um dia ainda vai entrar em um (amargurado) episódio do podcast. Que eu não vou botar aqui porque afinal de contas você valoriza sim o que eu faço. (obrigado!)
O terceiro, o título já entrega, é mais do tipo “auto ajuda motivacional” puro, mas como foi lançado no meio do isolamento pelo covid foi bem necessário. Ainda assim não consigo lembrar de nenhuma passagem específica. (preciso reler, então)
Os livros são cheios de citações inspiracionais. E você sabe que eu não resisto a citações. Tanto que a que abre esta edição eu tirei de um dos livros. São edições pequenas, quadradinhas e cheias de ilustrações que ficam muito bem na decoração do escritório e no feed do Instagram.
Menção honrosa: A sutil arte de ligar o f*da-se, Mark Manson
Eu peguei ranço desse livro quando sempre via um monte de faria limer com ele de baixo do braço, na época do lançamento no Brasil. Tipo aquela galera que acha que O Lobo de Wall Street é uma história motivacional de sucesso. Mas como falei no podcast, o livro é bom sim e eu gosto do Mark Manson em geral4. Ele pelo menos é um cara que se preocupa em entender de psicologia e em como o corpo funciona.
Talvez você só precise ler o artigo original, porque o resto do livro é composto de outros artigos (provavelmente outros textos do blog do Manson). Eu mesmo não passei do terceiro. Não porque são ruins, mas porque a minha cabeça já foi procurar o próximo livro.
Por hoje é só
Enquanto eu ia montando esta lista não consegui largar a sensação de que eu estava esquecendo algum livro muito importante. O que me dá a desculpa pra daqui algumas semanas fazer outra lista! Hmmmm… Acho que estou aprendendo uma coisa ou outra com os grandes autores de auto ajuda.
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Cuidem de si, cuidem dos seus. Até a próxima newsletter.
crisdias
[1] Quando João Doria Jr foi eleito prefeito de São Paulo li uma reportagem de que este era um dos seus livros favoritos. Então lá fui eu lê-lo, não para tentar um dia ser tão sucedido quanto o Acelera, mas para entender a cabeça da pessoa que eu descrevia como “aquele que desperta o que há de pior em mim”. No fim, o livro é maquiavélico demais, no sentido O Príncipe mesmo. Ele nem finge que o leitor não vai usar aquele conhecimento para ganho pessoal. É um manual de como manipular pessoas e conseguir o que se quer. Não consegui ir até o fim.
[2] Vários acadêmicos da psicologia não aceitam até hoje essa teoria da Prof Lisa Feldman Barrett, porque “sempre soubemos que não é o caso”. E, talvez, porque são homens e não vai ser uma mulher que vai chegar aqui e do nada dizer que tá tudo errado não é mesmo???
[3] Publicitários bem que podiam aprender essa parte em vez de ficar buscando e aplaudindo A Ideia Que Ninguém Nunca Teve.
[4] Especialmente a parte de que ele é meio pária no mundo da auto ajuda, por ir meio que contra tudo o que pregam. E também no mundo literário “sério”, porque é autor de auto ajuda e ainda por cima coloca palavrão na capa.