Homens poderosos que não devem desculpas a ninguém
E ainda: palavras doem mais do que cadeirada
O coração, se pudesse pensar, pararia.
— Fernando Pessoa
crisdias roadshow
Na rede mundial de podcasts, marquei presença em dois programas para falar desses barulhos que passam pela minha cabeça.
Primeiro no Impacto na Encruzilhada, falando de letramento como letramento midiático (este tema que me é tão querido) é importante quando o assunto é impacto social.
Já esta semana foi a vez de sair minha conversa no Clareira (o podcast do Lameira!) da Seiva, sobre ter mais perguntas do que respostas.
Passa lá, prestigia, bate palmas e pede bis. E me convida pro seu podcast.
Homens ricos cheios de rancor
Semana passada circulou este gráfico mostrando a queda no uso do Twitter nos EUA e Reino Unido, 100 milhões de usuários diários a menos do que maio de 2023.
Quem acompanha esta newsletter há algum tempo pode ter percebido que no primeiro semestre do ano passado adotei a política de não falar do Elon Musk — entre outros motivos porque acho que muito do que ele quer é só isso, que falemos dele, todo dia.
É que lembrei dele quando li sobre outro bilionário, meu ex-chefe Mark Zuckerberg que agora vive sua era broZuck, bronzeado, bolander e cacheado. (Isto não é um elogio) Segundo a newsletter Platformer, do fera Casey Newton, Zuckita participou no dia 10 de setembro da edição ao vivo do podcast Acquired onde conversou com os apresentadores Ben Gilbert e David Rosenthal sobre a vida, o universo e sua estratégia com a Meta. Afinal de contas, o podcast se descreve como:
Aprenda os planos de ação que construíram as maiores empresas do mundo — e como você pode aplicá-los como fundador, operador ou investidor.
Durante a entrevista, Zuckerberg revelou um “arrependimento”: ter aceitado a visão de gente de fora da Meta sobre os erros da empresa. Ele contou que a empresa aceitou críticas e responsabilidades sobre “tudo isso que está aí” que, olhando agora, ele acha não serem totalmente justificadas. O quarto homem mais rico do mundo descreveu isso como um “erro de cálculo político de 20 anos”, insinuando que a postura conciliatória adotada após 2016 teria incentivado os críticos a intensificarem seus ataques.
Olhando para trás, uma das coisas que eu me arrependo é que acho que aceitamos a visão de outras pessoas sobre algumas coisas que elas afirmavam que estávamos fazendo errado ou pelas quais éramos responsáveis, mas que na verdade não acho que fossemos. Havia muitas coisas que realmente fizemos errado e que precisávamos consertar. Mas existe essa ideia de que, quando você é uma empresa e alguém diz que há um problema, (…) o instinto certo é assumir a responsabilidade. Dizer, talvez não seja tudo culpa nossa, mas vamos assumir totalmente esse problema, vamos nos responsabilizar, vamos consertar.
Quando é um problema político… Às vezes há pessoas agindo de boa-fé, que identificam um problema e querem que algo seja consertado, e há pessoas que só estão procurando alguém para culpar. E se sua atitude é “vou me responsabilizar por tudo” — as pessoas estão basicamente culpando as redes sociais e a indústria de tecnologia por todas essas coisas na sociedade — se estamos dizendo que vamos realmente fazer nossa parte para consertar essas coisas, acho que houve um monte de gente que simplesmente pegou isso e pensou: “Ah, vocês estão assumindo a responsabilidade por isso? Deixe-me criticá-los ainda mais.”
O recado está dado. Zuck não vai mais pedir desculpas. Porque as pessoas “se aproveitaram” para colocar toda a culpa do mundo em suas costas e, no fim, não adiantou nada, as pessoas continuam odiando sua empresa e o considerando o vilão do filme.
Zuckerberg quer ser amado.
E como não conseguiu este amor no grau que gostaria, vai ligar o foda-se, entrar no modo adolescente “eu nunca mais vou me apaixonar”, sei lá, e só fazer o que quiser.
Tá bom. Ele não descartou completamente a ideia de assumir responsabilidades, dizendo: “Há muitas coisas que fizemos errado e que precisávamos consertar”. Mas ele diz que a Meta deve ser mais firme e clara sobre quais questões ela realmente sente que teve participação e quais não. Zuckerberg falou que vai passar a adotar uma abordagem mais seletiva, onde a empresa vai continuar a reconhecer e corrigir “problemas genuínos”, mas resistir a alegações que considera infundadas sobre o impacto da indústria de tecnologia ou da Meta em particular. Ou seja, ele vai decidir quando errou ou não, como e quando vai assumir a responsabilidade, pedir desculpas e trazer soluções.
Se essa fosse a história de origem de um vilão de filme o pessoal ia dizer “muita mentirada”.
O que me traz de volta a Elon Musk, porque, no fundo, estamos falando da mesma coisa: um homem frustrado por não ser amado pela humanidade, apesar do seu alto QI e saldo bancário. Elno comprou o maior e mais caro megafone do mundo e, como vimos no gráfico, acabou descobrindo que ninguém quer ouvir o que ele tem a dizer — mas segue convencido de que a culpa é dos outros.
Pense, por exemplo: por que estamos (felizmente, finalmente) sem Twitter no Brasil? Porque Musk acha que cabe a ele decidir quais ordens segue ou não — a soberania nacional que se exploda. Você que está lendo pode até achar que o Xandão exagerou na dose, que é antidemocrático bloquear uma plataforma inteira em nome de um processo que não é lá muito transparente para bloquear contas que falam mal do juiz que deu a ordem. Beleza, é um bom ponto de vista.
Existe todo um processo para se resolver casos assim. Cortes, medidas cautelares, apelações. Há até mesmo o famoso “tribunal da opinião pública”, a imprensa livre, a democracia. Mas para Musk, a lei é “caso a caso”. Ao receber a ordem do judiciário brasileiro de bloquear contas e apontar um representante legal ele preferiu demitir todos os seus funcionários e, posteriormente, ter o serviço bloqueado em seu quarto maior mercado. Ordens que ele cumpriu sem grandes dramas em outros países, como Turquia e Índia.
Zuck e Musk são aplaudidos por um grupo de pessoas (homens em sua maioria) quando falam que não vão mais pedir desculpas. Gente que acha que não precisam pedir desculpas porque (na sua visão) já sofreram demais e não foram recompensados por este sofrimento. Entendo, sem sarcasmo — não acredito em “pessoas más”, só em traumas. Mas quando estes homens que se julgam “líderes da humanidade” viram as costas para o resto do mundo, resultado é o individualismo e o narcisismo.
Palavras, apenas, palavras
Outra coisa que quem me acompanha já sabe é que sou apaixonado por palavras e seus poderes mágicos. Acredito que, mesmo sem saber, as palavras que escolhemos revelam muito sobre o que pensamos. (Mas pode ser só porque sou escritor, mesmo não sendo um dos melhores.)
Semana passada rolou em São Paulo aquilo lá. A cadeirada.
Tudo já foi dito sobre a cadeirada, não se preocupe, não é esse o assunto aqui. Meu foco é em um comentário recorrente que vi de políticos e jornalistas durante a semana.
De que nada justifica uma agressão física como esta, que o debate deve acontecer sempre no campo das palavras.
Pois bem, vejamos:
Marçal, usando apenas palavras, disse durante uma sabatina do UOL/Folha que a culpa da morte do pai de Tabata Amaral, por suicídio, foi culpa dela e da família. Marçal passou semanas dizendo que Boulos era viciado em cocaína, chegando a apresentar notícias falsas de que ele foi preso com drogas. (Foi condenado a pagar R$ 30 mil reais em multa, uau, que fortuna.) Antes da cadeirada chamou Datena de estuprador.
Nenhuma dessas agressões doeu? É pra virar e dizer “Ah, puxa, são só palavras. Não vou sentir nada” — é só pegar um direito de resposta e tudo bem.
Como falei lá no início da newsletter e sempre repito, não tenho as respostas, só mais perguntas. Só sei que seguimos morro abaixo.
Veja também
Por hoje é só
Cuidem de si, cuidem dos seus. Até a próxima.
crisdias