Fugindo do lockdown emocional
Banheiros, parques e a luta contra o cinismo na era da produtividade
As palavras pertencem metade a quem fala, metade a quem ouve.
— Montaigne
📕 Se você chegou agora e esta é sua primeira newsletter (ooooooooi) não deixe de conferir o Clube de Cultura do Boa Noite Internet, onde eu estou resumindo e comentando o livro Resista não faça nada: A Batalha pela Economia da Atenção. Comece pela introdução, lembrando que não é necessário ler o livro (mas se quiser, pode).
🗣 A edição desta semana aqui da newsletter saiu com um atrasinho como você deve ter percebido, mas foi por um bom motivo. Fui ali em Sorocaba apresentar minha palestra “Pense como um engenheiro; Crie como um artista” para um grupo de engenheiros. Bom demais. Por isso… e se você me chamasse para palestrar na sua empresa, hein? 😉🤙📞
📆 Neste domingo é a vez de um episódio do podcast Boa Noite Internet em formato de ensaio, que tanta gente gosta. Agora os barulhos da minha cabeça vão explorar isso de Entrar no personagem, na vida e no trabalho. É um episódio “peculiar” porque vai falar sobre mudanças de atitudes pessoais minhas este ano — sendo uma delas falar mais abertamente deste tipo de coisa sem medo de ficar piegas ou apelativo. OK, tenho medo sim. Por favor me avisem se ficar piegas ou apelativo.
Chega de recadinhos. Hoje vamos falar de parques e banheiros públicos como espaços de resistência e também de como sair da armadilha do cinismo e do lockdown emocional.
🌞 Finalmente parei para assistir Dias Perfeitos, o aclamado e premiado filme de Wim Wenders que era para ser um documentário parte de uma campanha para melhorar a imagem dos banheiros de Tóquio. É sério! O filme nasceu como uma proposta para o Tokyo Toilet Project, uma iniciativa da Nippon Foundation que reformou banheiros públicos em Tóquio, antes vistos como lugares “nojentos e perigosos”. Aí… ao se envolver mais profundamente com a ideia, Wenders decidiu transformar o projeto em um filme de ficção, utilizando a cultura dos banheiros de Tóquio como um tema central para explorar a vida simples e introspectiva do protagonista.
O filme merece todos os elogios. Não segue nenhuma jornada do herói (spoiler?), o que pode ser um problema para pessoas que gostam da coisa “o que vai acontecer agora?” em filmes. Fala de rotina e de estar presente no momento, se conectando bastante com o que já abordamos no Clube de Cultura: a necessidade de “fazer nada”, não como alienação, fuga ou batalha, mas sim uma maneira de fazer coisas que não viram “um produto” no fim. E também, claro, como o trabalho de manutenção é importante, mas desvalorizado.
Em um dos comentários do Clube, o Marcelo Salgado lembrou da onda de privatizações dos parques em São Paulo — em vez de só grama e sombra, agora temos eventos para a família e rodas-gigantes com naming rights. É a visão de que até um parque deve “gerar valor”, não pode ser só “despesa”.
Fiquei pensando em quantas pessoas olham para estes parques privatizados, cheios de atrações e dizem “agora sim tenho motivo para ir”. Como muito bem dito pela Jenny Odell no livro, queremos transformar nossos parques no Universal CityWalk. (ainda mais no Brasil, onde temos esse fetiche por Orlando)
Então lembrei de uma das coisas mais irritantes da cidade grande: banheiro público pago. Banheiro não é luxo, nem consumo (nem mesmo os incríveis banheiros do Tokyo Toilet Project). Ninguém vai em banheiro fora de casa por capricho. Ainda assim muita gente acha normal (e até necessário) cobrar para se fazer um xixi. Se você não tiver dinheiro, bom, não devia nem ter saído de casa.
🌱 Meus grupos de Zap estão agitadíssimos com a entrevista do Nick Cave no Late Show with Stephen Colbert. O filé é a parte final, onde ele lê uma das cartas da sua newsletter de um pai que se diz sem esperança para com o mundo.
Um ano atrás quase que certinho eu escrevi aqui discordando da visão de Cave sobre IA e arte, sob o cretino e apelativo título de Nick Cave está errado. O pior é que esta edição nem performou melhor do que as outras, ficou até um pouco abaixo do normal.
Mas enfim. A carta que Nick Cave leu na TV é de 2022, de um cara de Estocolmo chamado Valero.
Caro Nick. Depois destes últimos anos, me sinto vazio e mais cínico do que nunca. Estou perdendo a fé nas pessoas e tenho medo de passar esses sentimentos para o meu filho pequeno. Você ainda acredita em Nós (seres humanos)?
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