Enshittification: quando as plataformas viram a cebola do Outback
Por que tudo que você gosta piora com o tempo?
Vou cravar aqui qual vai ser a palavra do ano. Quando em dezembro os dicionários começarem suas listas, vocês me cobrem. É “enshittification”, ou como eu gosto de traduzir, “esmerdelhamento”.
Quem inventou essa palavra (adoro palavras inventadas) foi um dos meus grandes ídolos, Cory Doctorow. Aqui está a definição dele:
É assim que as plataformas morrem: primeiro, elas tratam bem os usuários; depois, passam a abusar dos usuários para agradar aos clientes corporativos; por fim, abusam desses clientes corporativos para sugar todo o valor só pra elas. E então, morrem.

Vai do Uber, que antes dava água e balinha e agora fica esperando você desistir para ganhar na taxa de cancelamento, até a cebola gigante do Outback que, hoje em dia, mais parece uma cebola comum. Ou o Windows, que você tem que pagar para usar, mas fica mostrando propaganda e te obrigando a usar o Bing.
É nas plataformas online onde a enshittification se manifesta em toda sua plenitude. Criamos nossa conta achando tudo maravilhoso — lembra quando a gente era fã de rede social? — e depois começa a achar que não tá tão bom assim. O resultado das buscas não é mais tão bom, as músicas indicadas são sempre dos mesmos artistas. O que era “ganhe dinheiro alugando um quarto da sua casa” vira só especulação imobiliária. Ou que o app agora “virou rede social”, ou “marketplace”, ou ganhou “funcionalidades de IA” quando ninguém pediu. Tem também aquelas que mandam um e-mail avisando que chegou uma novidade incrível: agora você vai passar a assistir propaganda no meio da sua série, mas se não quiser ver, é só pagar mais um pouco. “De nada.”
Esse é o poder das palavras, agora que você tem uma, vai olhar para o mundo e apontar: olha ali um esmerdelhamento!
A parte que ainda temos que ver do conceito do Doctorow é o final: “então elas morrem”, porque até o momento o que temos mesmo é uma relação de dependência. Não achamos mais aquele lugar tão legal, mas “é o que tem”. A dominação de mercado pela plataforma foi estabelecida e fica difícil alguém entrar concorrendo. Até porque muitas delas são grátis, se sustentando (ou só dando prejuízo mesmo) com publicidade. Viram o “padrão de mercado”, o exemplo (de lucro) a ser seguido.
Então, se você é do mundinho startup e está lendo isso aqui, fica minha dica desruptona. Na verdade, um pedido, um suplício: crie produtos voltados para nós, usuários. E mantenha assim. Aliás, pare de tratar a gente como usuário — aquelas coisas indistintas que existem para “gerar valor” — e passe a nos ver como clientes. Como pessoas.
Eu tenho para mim que o Instagram já chegou nesse nível, agora é esperar o óbito.
Ou, no bom português formal: quando cagam nos serviços.