Em tempos de guerra, é perigoso olhar para o mundo como se ele fosse um romance.
— Andrea Long Chu
Ontem aconteceu a primeira aula do Apresentashow e foi… show! A dinâmica de aula ao vivo, interagindo com todo mundo, é muito boa e, ao mesmo tempo, já vi coisas para mudar da segunda aula, que acontece amanhã. (Os materiais da primeira aula, incluindo a gravação do Zoom, já estão no Sympla.)
Por isso não tivemos newsletter ontem, mas aqui está ela hoje, na forma de vários “dilemas filosóficos” que vou propor para você aí que está lendo. Especificamente os apresentados pelo filósofo australiano Peter Singer.
Talvez o “exercício mental” mais famoso da filosofia moderna seja o “problema do bonde”, proposto pela filósofa inglesa Philippa Foot em 1967 como parte de um debate sobre a ética do aborto. A gente já falou dele no episódio “Guia Rápido Para Ser Uma Boa Pessoa” e foi tão importante para a filosofia moral que há quem diga (zoando) que uma nova corrente filosófica foi fundada: a bondelogia.
É mais ou menos assim: um bonde desgovernado vai em direção a cinco pessoas amarradas nos trilhos. Você tem a opção de puxar uma alavanca, desviando o bonde para uma linha onde apenas uma pessoa está presa. Se não fizer nada, cinco pessoas morrem. Se puxar a alavanca “apenas” uma pessoa morre.
O que você faria?
Só que Peter Singer é um utilitarista — a corrente filosófica que julga a moralidade de uma ação por suas consequências práticas, pela sua “utilidade para o bem maior”. Para um utilitarista, o certo é aquilo que gera o maior bem-estar (ou diminui o sofrimento) para o maior número de seres capazes de sentir. Não importam tradições, costumes ou regras absolutas: o que conta é o resultado final.
É uma ideia que costuma ir bem com pessoas que se consideram de “mente analítica”, o que leva a uma alta adesão em lugares como o Vale do Silício: já que é possível avaliar o impacto de cada ação, poderemos maximizar o bem mundial do mesmo jeito que otimizamos nossas startups. É daí que surge o movimento do altruísmo eficaz. Em vez de doar para uma ONG que “parece simpática” deveríamos procurar o melhor uso de cada centavo doado.
O problema, para mim, é que este pensamento costuma levar ao longoprazismo — corrente que Singer não necessariamente apoia 100%. Já que devemos buscar maximizar o bem geral de muitas pessoas, é muito mais eficaz valorizar todos os trilhões de vidas que ainda não nasceram do que os problemas atuais de pessoas vivas. Mas este não é o assunto de hoje, me diz se você quer saber mais sobre esta busca por “otimizar o bem”.
Um dos desafios filosóficos mais famosos de Singer aparece em seu livro “A Vida Que Podemos Salvar” — fora de edição no Brasil — que lançou as bases para o altruísmo eficaz.
Diz mais ou menos assim:
Imagine que você está usando um terno ou vestido novo, comprado depois de meses guardando dinheiro. No caminho para uma importante entrevista de emprego, você passa por um lago e vê uma criança se afogando. Não há ninguém por perto e você só tem alguns segundos para agir. Você sabe nadar muito bem, não vai correr nenhum risco se ajudar, mas sua roupa vai ser destruída se pular na água e você vai perder a entrevista de emprego.
O que você faz?
Eu não te conheço, mas imagino que você pularia na água. Qualquer pessoa minimamente decente sacrificaria uma roupa para salvar uma vida. Legal. Mas esta não é a verdadeira pergunta.
Agora imagine outra situação, esta bem real. Neste exato momento, você pode salvar uma criança viva, não hipotética. Basta doar o valor da roupa nova para uma organização que fornece mosquiteiros contra malária na África. Ou que financia tratamentos contra parasitas intestinais pelo mundo.
Você vai doar?
OK, próximo dilema, mais um pessoas se afogando.
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