Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade.
— Carlos Drummond de Andrade
A parte mais difícil de se escrever os ensaios do Boa Noite Internet é começar. Claro. A página em branco o “aimeudeus, eu não sei o que eu vou falar” ou então “eu até tenho uma ideia, mas não sei se rende”.
Já a segunda parte mais difícil é deixar de pensar no assunto. É ter que falar “ok, parou”, cortar coisa, matar seus queridinhos como dizem nos cursos de escrita. Afinal de contas, o assunto passa a morar na minha cabeça sem pagar aluguel e fica fervilhando. Ainda bem que tenho esta newsletter, uma válvula de escape da panela de pressão da cabeça, para seguir falando daquele assunto, não deixar o samba morrer.
Muitas vezes eu chego a escrever um ato inteiro no podcast para depois jogar fora, porque não estava encaixando direito, já estava muito grande ou eu só não tinha tempo de melhorar o texto. Nestas horas este texto vai parar em uma pasta chamada SOBROU (assim mesmo, em maiúsculas), porque aqui nada se joga fora, somos criativamente sustentáveis, tá pensando o quê? Até porque aquela ideia pode voltar aqui na newsletter no que passei a chamar de “cenas deletadas”, uma espécie de versão do diretor do podcast, só que aqui, em texto.
Pois é isso que teremos hoje aqui na newsletter, vamos seguir no tema do podcast da semana, com coisas que não foram ao ar ou ideias novas que surgiram de lá pra cá. Também vai ser uma boa maneira de você entender o meu processo de criação, as paradas que minha cabeça vai fazendo até chegar no ponto final.
Mas antes! Lembrar que esta semana termina a primeira rodada do Clube de Cultura do Boa Noite Internet, do livro Resista. Na sexta e sábado vou mandar para vocês o capítulo 6 e a conclusão — da autora e minha. Na segunda-feira anuncio o tema da próxima rodada, que vai ser outro livro, mas desta vez um que eu ainda não li.
Ainda antes! uma errata. No podcast, chamei Carl Jung de “um dos pais da psicanálise”, mas a ouvinte Ana Ju comentou no Spotify:
ele teve um período em que de fato estudou a psicanálise e até se correspondeu com Freud; mas no fim das contas ele rompe com Freud (bem romântico ein) e cria sua própria teoria, chamada hoje de Psicologia Analítica.
Carnaval
Enquanto pesquisava sobre o tema de “vivermos personagens” caí no trabalho do escritor russo Mikhail Bakhtin (1895-1975) que desenvolveu o conceito de “polifonia”, a ideia de que múltiplas vozes ou perspectivas podem coexistir em um único indivíduo (ou texto literário, que era a verdadeira piração dele), do mesmo jeito que em vários instrumentos musicais você pode tocar mais de uma nota ao mesmo tempo.
“Legal, hein? Pode ser um bom fio condutor da história” pensei, e lá fui eu saber mais sobre o cara — com menos de 1 semana de prazo, mas eu sou assim mesmo. Foi então que descobri que outro assunto estudado por Bakhtin foi a carnavalização: a subversão temporária das hierarquias e normas sociais, como acontece durante o carnaval. Bakhtin via isso como uma oportunidade para as pessoas “entrarem em personagens” diferentes, experimentando identidades que normalmente seriam reprimidas.
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