É na desordem, no acaso, no caos e na anarquia que a imaginação encontra sua morte.
— Nick Cave
Daqui uma semana teremos a primeira aula do meu curso de narrativa para você usar no seu trabalho. Não perca!
Se tem uma coisa que aprendi logo que mudei para São Paulo é o seguinte: nunca, jamais, em hipótese alguma, nem que a sua vida dependa disso, pegue a Avenida Rebouças, especialmente o trecho da Henrique Schaumann até o Shopping Eldorado. É receita para passar raiva.
Infelizmente, o Waze não tem este algoritmo e lá estávamos nós no sábado de manhã pegando este caminho lazarento. Mas era sábado, trânsito tranquilo, certo? Até que era, mas aconteceu uma cena pra lá de comum no trânsito de São Paulo: uma Fiorino que vinha de uma transversal da avenida foi dar aquela avançadinha no sinal amarelo para ganhar um minuto, mas tudo o que conseguiu foi fechar o cruzamento bem no corredor dos ônibus. O motorista fez aquela cara de “vish, foi mals” e todo mundo em volta começou a reclamar.
O cara da Fiorino não podia esperar um minutinho. Nem nós, ali, assistindo o ônibus bi-articulado contornar o gargalo. São Paulo não pode parar — mas acho que este é um fenômeno que não é exclusivo daqui.
Vivemos em estado permanente de urgência. Nem coar o café queremos mais, aquele ritual da manhã de paciência e cheiros incríveis tomando a casa. Agora é só apertar um botão e bzzzzzzzt aqui está nossa dose de cafeína, a substância que nos acelera. O podcast está muito longo? 1.5x nele. (Você não ouve o Boa Noite Internet em 1.5x, né? Né?). Tudo em nome de duas filhas queridas do nosso Sistema: a produtividade e a conveniência.
Gosto de dizer que certas coisas que leio me dão uma nova lente para ver o mundo. Não mudam o mundo — ele sempre esteve lá — eu só começo a perceber coisas que não prestava atenção. A partir daí, sempre que vejo, penso “ah, sim, aquele artigo estava certo”. (Sabedoria ou viés de confirmação?)
O primeiro é “Are We Too Impatient to Be Intelligent?”, de Rory Sutherland, um publicitário britânico que convenceu sua agência a montar um departamento de ciência comportamental. O segundo é “The Tyranny of Convenience”, do Tim Wu, professor de direito em Columbia e um dos principais críticos da concentração de poder nas big techs. Dois sujeitos de mundos completamente diferentes que chegaram a conclusões similares e que agora moram em triplexes na minha cabeça.
Aliás, esse tem sido um tema recorrente aqui na newsletter. É central nas discussões do nosso Clube de Cultura sobre “Quatro mil semanas”, do Oliver Burkeman. Estamos sempre ansiosos pela próxima tarefa. É como se a vida fosse uma grande fila do banco e estivéssemos constantemente olhando por cima do ombro da pessoa na nossa frente, certos de que nosso atendimento será mais rápido. Spoiler: nunca é. A próxima coisa tem nosso foco, quando ele deveria logicamente estar na atual.
Wu fala de como a conveniência se tornou a força mais poderosa e menos compreendida do mundo moderno. Nossa tendência é sempre buscar a maneira mais cômoda, mais livre de atritos. Deveria ser uma coisa boa, muitas vezes é, mas como tudo na sociedade, tem seu preço.
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