A sociedade do espetáculo: próxima parada do Clube de Cultura do Boa Noite Internet
Não há business como o show business
A sociedade do espetáculo: próxima parada do Clube de Cultura do Boa Noite Internet
Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se afastou numa representação.
— Guy Debord
Você já parou para pensar quantas horas por dia você passa produzindo conteúdo da sua própria vida? Stories, posts, fotos filtradas, vídeos editados. Não estamos mais vivendo as coisas — estamos encenando uma versão palatável delas para consumo público. A vida virou atuação. E nós, simultaneamente, atores e plateia.
Em 1967, o filósofo francês Guy Debord publicou A sociedade do espetáculo, um livro que diagnosticou essa doença décadas antes das redes sociais existirem. Para Debord, o espetáculo não é apenas a tela do seu celular ou a TV ligada na sala. É o modo como todas as relações humanas passaram a ser mediadas por imagens. É quando paramos de viver e começamos a representar que estamos vivendo.
Chegou a hora de mais uma edição do Clube de Cultura do Boa Noite Internet, desta vez com um clássico que explica exatamente como chegamos aqui — na era dos influenciadores, do personal branding, das lives, reels, reacts, do TikTok, do LinkedIn motivacional. Tá tudo lá — em um livro escrito há quase 60 anos.
Quem foi Guy Debord?
Guy Debord (1931-1994) foi um dos fundadores da Internacional Situacionista, movimento de vanguarda que misturava arte, política e crítica radical ao capitalismo. Os situacionistas eram conhecidos por suas “derivas” urbanas, pela crítica à sociedade de consumo e por técnicas como a “détournement” — a subversão de mensagens da cultura de massa.
A sociedade do espetáculo é seu trabalho mais influente: 221 teses organizadas em nove capítulos, escritas num estilo aforismático e denso. Não é um livro fácil. Debord não está interessado em didatismo — ele quer que você trabalhe para entender. Mas o esforço vale cada segundo.
Debord viveu de acordo com suas ideias. Crítico feroz da sociedade midiática, recusou-se a fazer concessões comerciais. Em 1994, aos 62 anos, se suicidou. Deixou uma carta explicando que preferia morrer a perder a lucidez para a doença que o afligia. Coerência radical até o fim.
Por que este livro?
Porque eu não aguento mais gerar conteúdo e me sentir pressionado para transformar minha vida em espetáculo para as redes socais. 🫠
Porque já ouvi “seja você mesmo” seguido de “aqui estão 5 dicas de como fazer seu vídeo bombar” que não sei mais pra onde ir. Porque, como disse o Lucas Liedke, vivemos em uma época onde pessoas querem se comportar como marcas e marcas querem se comportar como pessoas.
A tese central de Debord é de o espetáculo é a fase “atual” do capitalismo, onde tudo — relacionamentos, política, cultura, identidade — vira mercadoria visual a ser consumida. Não somos mais cidadãos ou pessoas. Somos público. E quando somos público, paramos de agir e passamos apenas a observar. Ou pior: paramos de viver e passamos a encenar versões editadas de nossas vidas para outros consumirem.
Isso em 1967. Então também é mais um livro que mostra que não foi exatamente A Internet que estragou tudo. Ela é sintoma, não causa.
Para Debord, o espetáculo não é apenas um conjunto de imagens. É uma relação social entre pessoas, mediada por imagens. É quando sua vida só tem valor se for postável. Quando você escolhe o restaurante porque sua foto vai ficar incrível. Quando você não consegue aproveitar o show porque está gravando ele todo no celular — ou todo mundo na sua frente está. Quando você performa felicidade para provar aos outros (e a si mesmo) que está feliz, ou fica infeliz porque no LinkedIn todo mundo é bem-sucedido, menos você.
O espetáculo, escreve Debord, é “o capital em tal grau de acumulação que se torna imagem”. A economia não produz mais apenas coisas. Produz representações, simulacros, experiências empacotadas para consumo. Seu feed do Instagram não é sua vida. É a propaganda da sua vida.
O desafio (e a recompensa)
Não vou mentir: A sociedade do espetáculo é um livro difícil. Debord escreveu em teses numeradas, sem narrativa linear, num estilo filosófico que exige atenção. Há referências a Marx, Hegel, Lukács. Há jargão situacionista e momentos em que você vai precisar reler o mesmo parágrafo três vezes. Ninguém solta a mão de ninguém, conta comigo.
Mas é exatamente isso que o torna valioso. Num mundo onde tudo é explicado em threads de 280 caracteres, onde todo conceito complexo vira infográfico motivacional, ler Debord pode ser um ato de resistência. É aceitar que algumas ideias não cabem em post carrossel. É trabalhar para entender, em vez de esperar que te entreguem mastigado. (Em um clube do livro, enfim, a hipocrisdias).
E a recompensa? Você vai sair deste livro vendo o mundo de outra forma. Vai olhar para seu feed, para a política, para a cultura e pensar: “é exatamente isso que Debord estava falando”. Vai entender por que parece tão difícil ter uma conversa real, por que tudo precisa ser postável, por que vivemos num mundo de aparências onde ninguém está realmente presente.
Depois de lermos sobre burnout millennial, sobre criatividade versus IA, sobre atenção fragmentada e narcisismo digital, A sociedade do espetáculo chega como a teoria que conecta tudo. É a arquitetura conceitual que explica como chegamos aqui.
Agenda
Semana 1 — O que é o espetáculo
Capítulos 1 e 2
A separação acabada; A mercadoria como espetáculoSemana 2 — As contradições
Capítulos 3 e 4
Unidade e divisão na aparência; O proletariado como sujeito e representaçãoSemana 3 — A dimensão temporal
Capítulos 5 e 6
Tempo e história; O tempo espetacularSemana 4 — Espaço, cultura e ideologia
Capítulos 7, 8 e 9
A ordenação do território; A negação e o consumo na cultura; A ideologia materializada
Como funciona o clube
Para quem está chegando agora: toda sexta-feira publico resumos comentados dos capítulos da semana, traduzindo Debord para o contexto de 2025 — Instagram, TikTok, influenciadores, política como reality show, IA generativa. Quem não conseguiu ler pode seguir na conversa. Depois disso vem a melhor parte, nos comentários de cada post, onde exploramos as ideias e testamos se Debord estava certo (spoiler: estava).
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Que comece o espetáculo,
crisdias




