📙 A ideologia materializada — o Sistema é fda, parceiro
Resumo comentado de "A sociedade do espetáculo", capítulo final.
A Matrix é um sistema, Neo. Esse sistema é nosso inimigo. Mas quando você está dentro, olha ao redor, o que você vê? Homens de negócios, professores, advogados, carpinteiros.
— As Wachowski
Imagine viver na União Soviética sem nunca ter ouvido falar de “comunismo”. Os trabalhadores acordam, vão às fábricas estatais, participam de reuniões do partido, mas ninguém consegue o nome do sistema em que vivem. Tudo começa bem com a revolução, mas depois de um tempo as coisas não vão tão bem assim. A economia só piora, fome, desemprego, mas é impossível criticar o que não tem nome. George Monbiot, jornalista britânico do The Guardian, usou essa alegoria em um ensaio de 2016 para descrever que esta história absurda para os hoje russos é, na verdade, a do mundo atual. A ideologia que domina nossas vidas não tem nome. Este é o tema do capítulo final de A sociedade do espetáculo.
Guy Debord escreveu em 1967 que a ideologia do espetáculo havia se tornado tão onipresente que perdeu seu nome. Ele falava do capitalismo de consumo de massa, do fordismo, do Estado de bem-estar social de sua época. A partir dos anos 1980, com Margaret Thatcher na Grã-Bretanha e Ronald Reagan nos EUA, esse sistema ganhou uma nova forma — e um nome que poucos sabem dizer o que realmente significa: neoliberalismo. Não falamos no neoliberalismo, não não não.
Quando Thatcher popularizou a expressão TINA — “There Is No Alternative” (não há alternativa) —, estava colocando em um slogan algo que o espetáculo já praticava. O capitalismo de mercado deixou de ser uma escolha política entre um cardápio de possibilidades e passou a ser apresentado como a única realidade possível, tão natural quanto a gravidade.
Gosto desse meme porque é mais um exemplo de um tema recorrente aqui na newsletter e no Clube de Cultura. As coisas não começaram a piorar “por causa da internet”, ou do Lula, ou do Obama, ou porque esses jovens aí são preguiçosos. O problema já vem da época destas duas figuras que ainda são idolatradas por muita gente.
Neste último capítulo, Debord amarra as pontas do livro. Após analisar a mercadoria, o tempo, o urbanismo e a cultura, ele revela o mecanismo final. A ideologia não é mais uma crença que se pode aceitar ou rejeitar. Ela se materializou, virou o próprio mundo em que vivemos. E quando a ideologia se torna indistinguível da realidade, a própria capacidade de imaginar alternativas desaparece.





