A era do show business: por que pensar não combina com televisão?
Resumo comentado, “Amusing ourselves to death”, capítulo 6
Eu não sou má. Só me desenharam assim.
— Jessica Rabbit (Gary K. Wolf)
Nas últimas semanas, muita gente nova chegou ao Boa Noite Internet — oooooi! Esta aqui é uma edição do Clube de Cultura do Boa Noite Internet, onde escolhemos uma obra relevante para entender nosso tempo e acompanhamos juntos, capítulo por capítulo. Toda sexta, publico um resumo comentado que conecta as ideias com o presente. Você lê junto ou só acompanha as discussões — participe como der.
O livro atual, Amusing Ourselves to Death de Neil Postman, é essencial para desenvolver nosso letramento midiático. Escrito em 1985, antecipa com precisão como o entretenimento colonizaria todas as esferas da vida pública. Num momento em que vivemos afogados em informação, mas paradoxalmente desinformados, Postman nos ensina a ler criticamente não apenas o que consumimos, mas principalmente como a mídia molda nosso pensamento. Os resumos comentados também trazem a minha visão de como está o mundo 40 anos depois do lançamento de Amusing Ourselves to Death.
O que é televisão? Que tipos de conversas ela permite? Que tendências intelectuais ela encoraja? Que tipo de cultura ela produz?
Na parte 2 de Amusing Ourselves to Death vamos entender os impactos de uma “cultura televisiva” no mundo — e tentar não só extrapolar este conhecimento para uma “cultura internauta”, mas entender que esta aprendeu muito com sua antecessora. Especialmente a parte de que tudo precisa ser divertido.
Neil Postman começa o capítulo 6 brincando em como um aparelho de TV pode ser “versátil”. Um estudante usou a luz da TV para estudar. Hotéis (dos anos 1980) tinham canais de texto rolando na tela — um “quadro de avisos visual”. TVs antigas eram grandes e muita gente usava como estante para livros. São usos que só faziam sentido em 1985, quando o aparelho televisor ainda era um objeto físico imponente na sala. Hoje, com telas em todos os bolsos, essas imagens parecem arqueologia tecnológica. Mas o ponto de Postman permanece atual. Ele quer ridicularizar a esperança de que a televisão poderia sustentar a tradição letrada que vimos na parte 1. A TV não é “o cinema da sua casa” (literalmente o significado de HBO: home box office), assim como a internet não é “todas as bibliotecas do mundo na ponta dos seus dedos”. Pensar assim é cometer o erro que Marshall McLuhan chamava de “pensamento retrovisor” — imaginar que um novo meio é apenas uma versão turbinada do anterior.
Para enxergar como a TV é mais do que um móvel, precisamos entender a diferença entre tecnologia e meio (mídia).
Podemos dizer que uma tecnologia está para um meio assim como o cérebro está para a mente. Como o cérebro, uma tecnologia é um aparato físico. Como a mente, um meio é o uso ao qual um aparato físico é submetido.
Essa distinção é ainda mais relevante em tempos de inteligência artificial. Ficamos obcecados com as diferenças técnicas — GPT versus Claude, Midjourney versus DALL-E, Copilot versus Cursor. São camadas de uma pilha tecnológica complexa. Mas raramente falamos do meio IA. Do impacto cultural dessa tecnologia. O mesmo aconteceu com a internet há 25 anos. Falávamos de protocolos, velocidades, browsers. Hoje a tecnologia está aí, está dada. A conversa importante — que ainda acontece menos do que deveria — é sobre o meio-internet e seus efeitos na sociedade.
Ou seja, a tecnologia sempre tem algum viés.
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